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terça-feira, 21 de agosto de 2007

Erros de cálculo

As manhãs de estio precoce ludibriam sem intenção os amantes fervorosos dos dias ensolarados e felizes. Foi assim que, naquele dia não muito distante, me levantei sorridente e, ao abrir as portadas, me deparei com o céu azul logo pela manhã. E depois a rotina de sempre. Tudo rápido: duche, pequeno-almoço, agarrar nos livros, fechar a porta de casa com as felinas lá dentro e Bom dia, dia! Raros os momentos de boa disposição matinal mas assim ditam os dias de luz, sem que pouco possa fazer para impedir a ligeireza que, de repente, se me toma o corpo e que, neste caso, me adormeceu os neurónios. E nesta insanidade, ter-me-ia vestido à pressa: umas calças castanhas de cintura concordante com os ditames da moda, um blazer cor-de-abóbora, uma camisoleca a mediar as duas, um colar de sementes sussurando-me com sotaque de terras de Vera Cruz e, assim que me sentei no carro, ainda à porta de casa, algo apareceu inesperadamente: uma tarja de carne, imensa e branca pela ausência de sol, a roupa interior a desvelar-se, sem perigo por enquanto, para o banco do carro. E porque quando nada há a fazer, nada se pode fazer, rumei à escola e passei a manhã a declinar educadamente os convites para me sentar à mesa, enquanto partilhava o café com os colegas e dois dedos de conversa inconsequente, a escrever no quadro apenas à altura do ombro, a deslocar-me com esmero entre os alunos, inclinar-me sobre as carteiras com o cuidado de uma dama vitoriana que tenta ocultar a aparição despudorada do tornozelo e a desejar ardentemente o regresso a casa para me poder sentar descansada e mandar às urtigas o pedaço de carne que tentei esconder com sucesso uma manhã inteira.

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