O rapaz era conhecido por chegar atrasado aos compromissos. A dificuldade em respeitar horários e compromissos não seria nunca por falta de respeito por aqueles com quem se comprometia, apenas o seu modo de passear pelo mundo. A rapariga não entendia as delongas frequentes. Que faria ele para não chegar a horas? Apesar desta peculiaridade irritante para a pontualidade da rapariga, o rapaz era um ser atencioso e doce. Resguardava-se por trás dos óculos, algo tímido, e embora raramente deixasse os demais avistar a sua perspicácia, era atento e arguto. Tinha algo de deliciosamente boémio, umas mãos de criança, com os dedos rechonchudos, as unhas roídas como um garoto nervoso, possuía a bonomia dos gorduchos, mesmo sem gargalhares estridentes nem palavras exaltadas, como outros gorduchos, e sempre alguma dispersão no pensar. Amiúde o ar absorto de quem se perdeu entre notas e acordes, absorvido pelo jazz e a bossa nova, errante entre o contrabaixo e uma voz feminina. Voava sem aviso, elevava-se num voo alto e libertador, num céu só seu. Regressava depois, tal como se tinha momentaneamente ausentado, e retomava a conversa.
Ela e ele partilhavam um mesmo gosto pela noite, onde o dia toma refúgio e as palavras se tornam descomplicadas, os sorrisos mais inconsequentes e, por isso, à luz do dia mais perigosos. Um jantar agradável e sobriamente requintado, um copo num sítio aprazível, uma conversa serena salpicada com humor ou um café fugaz no bar do seu local de trabalho.
Era crepúsculo, ainda com umas réstias de dia, e, como os crepúsculos, continha o bulício que anuncia o dia a adormecer e o burburinho suave que indicia a noite a acordar, ainda lânguida e preguiçosa, ainda a bocejar e a estender os braços com que abraça e embala a cidade, o chilrear dos pássaros num miradouro ali bem perto e o cauteleiro tão dinâmico e tão estático no largo do ponto de encontro. A rapariga chegou em cima da hora dessa vez, quase atrasada. Umas voltas depois, continuava sem encontrar lugar algum para estacionar o carro, a inquietação a tomar conta dela, o relógio impavidamente marcando a passagem dos minutos. Uma volta, viu-o no ponto de encontro. Ao contrário do habitual, neste dia de Maio tardio, o rapaz chegara a horas. Ela abrandou, ele entrou, um beijo na face e, enquanto a rapariga engatava a mudança para iniciar a marcha, o rapaz sacou de um pedacito de papel da carteira, rabiscou algo e disse-lhe suave e afectuoso Não tive tempo. Desculpa! estendendo-lhe, tímido, o papel rectangular de dimensões reduzidas. No verso de um bilhete de metro, uma flor, fresca ainda pelo desenhar recente, perfumada como nenhuma pela imaginação ternurenta do seu autor. Por baixo escrito Um beijo, seguido da sua assinatura singela. Atentou bem, atentou bem na flor e pensou, rendida pelo exotismo da oferta, que seria uma margarida talvez.
Ela e ele partilhavam um mesmo gosto pela noite, onde o dia toma refúgio e as palavras se tornam descomplicadas, os sorrisos mais inconsequentes e, por isso, à luz do dia mais perigosos. Um jantar agradável e sobriamente requintado, um copo num sítio aprazível, uma conversa serena salpicada com humor ou um café fugaz no bar do seu local de trabalho.
Era crepúsculo, ainda com umas réstias de dia, e, como os crepúsculos, continha o bulício que anuncia o dia a adormecer e o burburinho suave que indicia a noite a acordar, ainda lânguida e preguiçosa, ainda a bocejar e a estender os braços com que abraça e embala a cidade, o chilrear dos pássaros num miradouro ali bem perto e o cauteleiro tão dinâmico e tão estático no largo do ponto de encontro. A rapariga chegou em cima da hora dessa vez, quase atrasada. Umas voltas depois, continuava sem encontrar lugar algum para estacionar o carro, a inquietação a tomar conta dela, o relógio impavidamente marcando a passagem dos minutos. Uma volta, viu-o no ponto de encontro. Ao contrário do habitual, neste dia de Maio tardio, o rapaz chegara a horas. Ela abrandou, ele entrou, um beijo na face e, enquanto a rapariga engatava a mudança para iniciar a marcha, o rapaz sacou de um pedacito de papel da carteira, rabiscou algo e disse-lhe suave e afectuoso Não tive tempo. Desculpa! estendendo-lhe, tímido, o papel rectangular de dimensões reduzidas. No verso de um bilhete de metro, uma flor, fresca ainda pelo desenhar recente, perfumada como nenhuma pela imaginação ternurenta do seu autor. Por baixo escrito Um beijo, seguido da sua assinatura singela. Atentou bem, atentou bem na flor e pensou, rendida pelo exotismo da oferta, que seria uma margarida talvez.
Passo pelo teu blog com frequência mas desta vez precisei de abrir a caixinha dos comentários.
ResponderEliminarGostei. Muito. Obrigado.
Obrigada, Eduardo.
ResponderEliminarBem-vindo aos comentários :-)