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quarta-feira, 12 de março de 2008

Felinos, canídeos e humanos

Canídeos, felinos e humanos não partilham o mesmo gosto gastronómico. Os felinos têm um gosto requintado, um faro que lhes faz detectar à distância um alimento menos fresco. Caso a latinha gourmet tenha sido aberta pela manhã e os pedacinhos de atum com molho suculento repousem na baixela felina desde então e nos encontremos pela hora de almoço, o requintado nariz felino de tal dará conta: uma farejadela, um olhar para o dono e chamem a ASAE, se faz favor. Os felinos de cá de casa, todos os que tive, sempre foram distintos, selectivos e apurados nos gostos. Restos, seja do que for, não é com eles, carne esporadicamente, queijo fresco com reservas, já no camarão e sapateira jamais se fizeram rogados. Do meu lado direito há sempre uma pata que se estica até à anca, por vezes, com a unhita a marcar as carnes, e o olhar fixo, determinado e irresistível. Os felinos desprezam os meus dotes culinários. Não interessa quanto tempo, quais os ingredientes e o grau de proficiência e eficiência na cozinha, indiferença é tudo o que obtenho dos meus estimados bichanos, a menos que coza uma gambinhas, já se sabe, nada que exija dedicação de qualquer cozinheira. Os humanos frequentadores e residentes têm um gosto menos selectivo do que os felinos. Dispensam os pedacinhos de atum, ficam felizes não apenas com o camarão cozido e deleitam-se com iguarias várias: paella, amêijoas à Bulhão Pato, feijão tropeiro, cogumelos gratinados e outras comezainas carregadas de calorias. Os humanos não torcem o nariz e nunca chamaram a ASAE. Os canídeos raramente protestam. Se o osso for deixado de véspera, o que obtenho em troca são uns saltos pujantes, umas abanadelas de rabo e umas lambedelas até onde e se me deixo alcançar. Os ossos pequenos do entrecosto são deglutidos ao ritmo que os adultos saboreiam as tiras de milho, os ossos do cabrito levam um pouco mais de tempo, o que já não extensível aos pedaços de frango desossado, os responsáveis por uns saltos ainda maiores, mais abanadelas de rabo, tudo mais. Os canídeos, ao contrário dos felinos e na extensão dos humanos são apreciadores dos meus dotes culinários. Pude comprová-lo quando dei ao cãozinho meu vizinho as sobras de cordon bleu. Mesmo depois de ter sido aquecido no micro-ondas e de ter passado a noite num prato em cima do fogão, o cãozinho não chamou a ASAE, não torceu o nariz e parecia ter comido o manjar dos manjares, meu rico cãozinho, à velocidade da luz, mordiscadelas nos meus dedos incluídas, de modo que para a próxima que me abeirar dos tachos e panelas vou ter em conta tamanha consideração, cãozinho lindo, que é lá isso, cordon bleu retardado?

8 comentários:

  1. Isto soube-me mesmo a documentário da BBC!
    Leonor, tu és o David Attenborough dos animais domésticos! ;)

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  2. LOL, fantástico!!
    E ainda bem que os humanos não são tão esquisitos como os felinos, hem???
    Quanto aos canídeos, realmente são uns santos :)

    (tenho saudades tuas!)

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  3. Cralota, é a primeira vez que me chama tal, mas por acaso lembro-me dele várias vezes :-)

    Fantasminha, andei apinhadinha em trabalho, com uns dias que começavam às 8.30 e acabavam às 22h, daí a minha ausência. Temos de combinar um jantarinho :-)

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  4. E eu também não tenho andado muito por cá... Jantarinho parece-me bem :)

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  5. Obrigada Jõka, as suas fotos de Copacabana me matam. Lindas! :-)

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