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sábado, 12 de abril de 2008

Bom dia

Acordar a uma hora tardia, abrir as portadas e espreitar o dia, deixar o basculante aberto para limpar a noite dormida. O corpo dolente que se espreguiça lentamente, atirando para trás das costas a semana defunta e descer então ao encontro do pequeno-almoço ainda por fazer. Uma chávena bem generosa de café, o perfume a pairar na cozinha à medida que as gotículas se soltam, duas fatias comedidas de pão dormido na torradeira e o requeijão de Seia, os aromas que se misturam e confundem, o conforto de ser abraçada pela manhã tranquila com o mar lá bem no fundinho da janela da cozinha e a Primavera visível no maçaroco que deu flor. Bom dia!

8 comentários:

  1. O dia da criação



    Macho e fêmea os criou.
    Gênese, 1, 27






    I



    Hoje é sábado, amanhã é domingo
    A vida vem em ondas, como o mar
    Os bondes andam em cima dos trilhos
    E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.



    Hoje é sábado, amanhã é domingo
    Não há nada como o tempo para passar
    Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
    Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.


    Hoje é sábado, amanhã é domingo
    Amanhã não gosta de ver ninguém bem
    Hoje é que é o dia do presente
    O dia é sábado.



    Impossível fugir a essa dura realidade
    Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
    Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
    Todos os maridos estão funcionando regularmente
    Todas as mulheres estão atentas
    Porque hoje é sábado.





    II



    Neste momento há um casamento
    Porque hoje é sábado
    Hoje há um divórcio e um violamento
    Porque hoje é sábado
    Há um rico que se mata
    Porque hoje é sábado
    Há um incesto e uma regata
    Porque hoje é sábado
    Há um espetáculo de gala
    Porque hoje é sábado
    Há uma mulher que apanha e cala
    Porque hoje é sábado
    Há um renovar-se de esperanças
    Porque hoje é sábado
    Há uma profunda discordância
    Porque hoje é sábado
    Há um sedutor que tomba morto
    Porque hoje é sábado
    Há um grande espírito-de-porco
    Porque hoje é sábado
    Há uma mulher que vira homem
    Porque hoje é sábado
    Há criançinhas que não comem
    Porque hoje é sábado
    Há um piquenique de políticos
    Porque hoje é sábado
    Há um grande acréscimo de sífilis
    Porque hoje é sábado
    Há um ariano e uma mulata
    Porque hoje é sábado
    Há uma tensão inusitada
    Porque hoje é sábado
    Há adolescências seminuas
    Porque hoje é sábado
    Há um vampiro pelas ruas
    Porque hoje é sábado
    Há um grande aumento no consumo
    Porque hoje é sábado
    Há um noivo louco de ciúmes
    Porque hoje é sábado
    Há um garden-party na cadeia
    Porque hoje é sábado
    Há uma impassível lua cheia
    Porque hoje é sábado
    Há damas de todas as classes
    Porque hoje é sábado
    Umas difíceis, outras fáceis
    Porque hoje é sábado
    Há um beber e um dar sem conta
    Porque hoje é sábado
    Há uma infeliz que vai de tonta
    Porque hoje é sábado
    Há um padre passeando à paisana
    Porque hoje é sábado
    Há um frenesi de dar banana
    Porque hoje é sábado
    Há a sensação angustiante
    Porque hoje é sábado
    De uma mulher dentro de um homem
    Porque hoje é sábado
    Há uma comemoração fantástica
    Porque hoje é sábado
    Da primeira cirurgia plástica
    Porque hoje é sábado
    E dando os trâmites por findos
    Porque hoje é sábado
    Há a perspectiva do domingo
    Porque hoje é sábado





    III



    Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens,
    ó Sexto Dia da Criação.
    De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
    E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
    E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
    Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
    Na verdade, o homem não era necessário
    Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como
    as plantas, imovelmente e nunca saciada
    Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
    Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
    Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
    Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
    Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas
    em queda invisível na
    terra.
    Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
    Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
    Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
    Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda
    e missa de
    sétimo dia.
    Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das
    águas em núpcias
    A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
    A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em [cópula.
    Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
    Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
    Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
    Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e [sim no Sétimo
    E para não ficar com as vastas mãos abanando
    Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
    Possivelmente, isto é, muito provavelmente
    Porque era sábado.

    Vinícius de Moraes

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  2. E hoje já Domingo! Beijo, Martha

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  3. Huuuumm, requeijão de Seia... :)

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  4. Tão bem escreves, Leonor!!

    :))

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  5. Tão bem escreves, Leonor!!

    :))

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  6. Só o facto de se poder abrir portadas já traz, cá p'ra mim, a magia especial que o resto do texto desvenda.

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  7. Obrigada, Sinapse.

    Sou muito falta de ar em casa, portanto as portadas estão sempre abertas, fungaga.

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