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segunda-feira, 7 de abril de 2008

A morte dos heróis

A caixa mágica e o grande ecrã têm destas coisas: constroem os mitos e destroem-nos com igual facilidade e uma não menos pequena dose de mestria. Charlton Heston eternizou-se com a cena inesquecível da corrida de quadrigas que protagonizou em Ben-Hur. A masculinidade em evidência, o carácter apolínio consubstanciado pelos ideais éticos e morais do homem que jamais perde a elegância nem mesmo numa situação de risco, a heroicidade da personagem e a eterna luta maniqueísta conferiam ao então jovem e auspicioso Charlton Heston, mesmo que transvestido em Ben-Hur, a aura mística que todos os heróis usam. E embora sabendo que não é no Coliseu de Roma que a cena se passa, mas antes no Circus Maximus, onde aconteciam as corridas de quadrigas, a banda sonora dos meus momentos no incontornável monumento da Cidade Eterna é protagonizada também por Ben-Hur, o gáudio do povo em júbilo perante a implacabilidade do César de serviço.
Regressei a Charlton Heston décadas mais tarde. Despido da máscara de Ben-Hur e da verticalidade da personagem, à minha frente desenhava-se uma outra personagem que desconhecia até então. Pela mão de Michael Moore, desvelava-se Charlton Heston, ele mesmo, um outro papel que terá desempenhado nesta sua vida repleta que agora findou. Como presidente da National Rifle Association deixava bem clara a defesa do porte de arma meros dias após o massacre de Columbine. Michael Moore não foi cordato nem misericordioso na representação do herói épico de outros tempos. Longe da imagem transbordante de masculinidade Charlton Heston, envelhecido e decadente, afasta-se num passo dolente e degradado na sua própria casa, tendo deixado por responder algumas questões formuladas e a desilusão na medida dos passos arrastados. Ben-Hur jamais faria tal coisa.


Imagem daqui

7 comentários:

  1. Mesmo como actor, mesmo na altura, era já um pouco cabotino... A imagem é maior que o homem.

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  2. O heroicismo do ecran colocado em causa devido a causas menos nobres. Apesar do fim, nao germinam simpatias pessoais...

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  3. Depois do "Bowling for Columbine", e mesmo sabendo que Michael Moore também não é a mais adorável das cariaturas, nunca mais vi Charlton Heston da mesma forma.

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  4. Não sabia disso ou não me lembrava dessa passagem do filme de Michael Moore, o que dá no mesmo. Enfim, os pés de barro de um mito. É pena.

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  5. Tem piada, ainda hoje de manhã estava a falar disto mesmo com alguns colegas... como deixei de ver o Charlton Heston da mesma maneira depois do "Bowling for Concubine". A conversa veio por estar a decorrer o julgamento do Mário Machado & Co Lda e de alguém conhecer um dos arguidos e não perceber o que ele era até começar o processo contra eles.

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  6. O que me incomodou ainda mais, para além de ser Presidente da NRA, foi ser ele mesmo, não um outro papel, não tinha desculpa, portanto.

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