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quinta-feira, 1 de maio de 2008

Filha babada

Mãe e filha concordaram. O vestido preto ficaria em casa para a ocasião e aquela de que não se pode dizer o nome, cruzes canhoto, mesmo que já tivesse desaparecido do estendal, não veria dia tão solene, onde andará tal bicho. Mãe e filha puseram pés ao caminho. Mãe e filha escolheram uma roupinha elegante e sóbria. Mãe e filha estavam em uníssono. Nada de cores estridentes nem padrões exuberantes. A mãe foi ao cabeleireiro. A filha amanhou a trunfa em casa. A filha foi buscar a mãe. Os vizinhos da filha olharam-na quando saiu de casa, surpreendidos com o aprumo para um dia de feriado municipal. Onde iria assim vestida? O genro pôs gravata e vestiu fato. Onde iria tão garboso? A filha ainda deu uma ajeitada na mãe. A mãe não precisava de ajeitadela alguma. Manias da filha, já se vê. Em dia grande de grande homenagem, a mãe irradiava a felicidade e grandeza dos quarenta anos na arte de ensinar todos e bem receber qualquer um no regaço generoso. A ajeitadela desnecessária como chapéu de chuva em dia de estio. Qualquer roupa teria ficado bem. Quando a alma refulge são dispensáveis ornamentos. Mãe e filha chegaram mesmo em cima da hora. A mãe havia de sentar-se na segunda fila, com a filha ao lado com o genro ao lado, demais convidados um pouco atrás. A filha estava nervosa. A filha escondeu da mãe que estava nervosa. Quando as palavras começaram, a mãe deixou cair uma lágrima emocionada. A filha engoliu as lágrimas emocionada. A filha esteve sempre ao lado da mãe excepto quando a mãe foi chamada para ser agraciada pelas mãos de um ex-aluno, agora homem maduro ao leme da terra que a mãe adoptou e que lhe retribuía neste dia. A mãe agradeceu entre o sorriso e as lágrimas as palavras sentidas do seu sempre aluno, agora homem feito e grato. A filha ficou orgulhosa, babada, feliz, exultante. A filha ficou comovida com as palavras que homenagearam a mãe. A filha veio para casa lutar com as palavras. A filha queria que elas contassem exactamente como foi. A filha procurou palavras. A filha vasculhou canhenhos de vocábulos vários. A filha deu por encerrada a busca. A alma da mãe não cabe em palavras e o reconhecimento não se transcreve em vocábulos. As palavras que fiquem para amanhã.
imagem: minha
foto: Sónia

12 comentários:

  1. A filha não precisa de procurar mais, está tudo aqui. E nas palavras que vamos lendo sempre.
    Parabéns à mãe, novamente.
    Beijos grandes.
    :)

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  2. A filha safou-se lindamente. Como sempre.
    :)

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  3. A filha tem razões de sobra para estar babada. E acho que a mãe também!
    beijinho
    (gosto deste registo: a filha, a mãe...)

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  4. Obrigada :-)
    A filha e a mãe estão babadas pois :-)

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  5. A mãe está muito "babada", é verdade, e mais fica quando lê os textos lindos da filha! Obrigada à filha e obrigada a todas vós :-)

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  6. Parabens as duas!

    (a falta dos acentos e culpa do teclado britanico...)

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  7. Obrigada, Aventino, e boa estadia :-)

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  8. Que coisa boa, que texto lindo.
    beijo,

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  9. Obrigada, Martha

    Já fui votar para a biblioteca :-)

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  10. Parabéns à filha pelos talentos vários, por aqui bem expressos mas, pela homenagem merecidissima , parabéns especiais à mãe, grande professora, de 'regaço generoso'.
    Bjos às duas

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  11. :)) é certo que as palavras não nos servem para expressar alguns sentimentos e/ou emoções ... mas tu safas-te bem, como já disse a Carlota!

    Lindo lindo o texto ... como sempre!

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