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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Frampton comes alive

A trunfa não pode esperar. Faço-me ao caminho logo depois do almoço, a pé rua acima entre uma ventania furiosa, atravessa-se-me uma sapataria ao caminho, caio por uns sapatinhos, faltava-me aquela cor, já se sabe, e entro expectante na cabeleireira. Lá dentro espera-me uma mulher imensa, caso não gostasse tanto de Botero, recomendar-lha-ia para modelo dos seus quadros, rapariga na antecâmara dos entas, sem grandes falas e muito menos sorrisos aplica-se na tarefa de me cortar o cabelo. Acompanhava-a um jovem canastrão, não havia que enganar, primeiro percorreu a sala, depois sentou-se a deglutir a novela como quem sorve Coca-Cola, e quando ultrapassados os preliminares, a maga das tesouras, a matrona dos bigodis se aproxima de tesoura em punho, enceta com o jovem canastrão a conversa mais adequada que se pode ter quando se corta o cabelo a uma professora Então, hoje já tiveste Filosofia? Arremessa a matrona ao canastrão. O canastrão responde Não. A professora está a faltar. A matrona insiste. Então quantas aulas tiveste? O canastrão diz que não quer saber. A matrona diz que ele devia saber, o mal será para ele. O canastrão diz Os professores de Filosofia são todos malucos. Aquela também. Eu penso Mando-os bardamerda ou faço-me surda? Não os posso mandar bardamerda. Mando-os bardamerda ou faço-me surda? Mando-os bardamerda ou faço-me surda? Mando-os bardamerda. Faço-me surda. Mando-os bardamerda ou faço-me surda? Fiz-me surda e não os podia mandar bardamerda. A conversa continua lampeira. A professora de Filosofia está muito bem e depois começa aos gritos. É maluca. Tendo em conta que a minha surdez foi coisa passageira e que não podia levantar-me e ir-me embora com o cabelo meio cortado meio por cortar, também por isto detesto cabeleireiros, dentistas e ginecologistas, adverti o canastrão sem demora Claro, os professores é que são todos malucos porque vocês, coitadinhos, são uns santos e nunca fazem nada nem dizem nada. Os professores é que são doidos. O canastrão calou-se de imediato, continuou a sorver a novela, a matrona continuou nas suas artes de bem cortar cabelos e tudo o que lhe apareça à frente e eu a pensar que aquela foi a primeira e última vez que recorri aos seus préstimos. Saí de lá mais parecida com o Michael Bolton depois de ter cortado o cabelo, menos parecida com o Carlos Santana, já bem distante do Marquês de Pombal e, tal como Peter Frampton resisti às investidas da matrona e do canastrão, mas digam-me que não tenho razão em apelar ao regresso urgente do meu querido cabeleireiro mineiro.

12 comentários:

  1. (gargalhada!) ;)
    eu própria vou a Minas buscá-lo se for preciso!

    ;)

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  2. Leonor, a tua saga pilosa está a deixar-me preocupada. Mas continua a tentar, assim vais-nos descrevendo os "salões" por onde passas até que volte o mineiro...

    Boa sorte!

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  3. A única coisa bom da falta do mineiro serão estes textos, então!! :o)

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  4. Olá leonor!

    Eu sou professora de filosofia, mas não exerço. De um modo geral, as pessoas pensam que os professores de filosofia são malucos.
    Enfim...
    Resta o bom senso.

    Bjs

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  5. Obrigada, Once, se é para ir a Minas também vou :-)

    Ai não, Ana, a saga acaba aqui mesmo. Só se na próxima tosquia o meu mineiro não tiver voltado...


    Obrigada, fantasminha.

    Isa, o problema não é da Filosofia, nem dos professores de Filosofia, o problema é a falta de respeito a que os professores estão infelizmente sujeitos. Começo a ficar cansada, muito cansada.

    Beijinhos às três :-)

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  6. Não tem razão em apelar ao regresso, muito menos urgente, do seu querido cabeleireiro mineiro. E depois crónicas destas onde é que as líamos? :-)

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  7. O cabelo volta sempre a crescer. A inspiração é que nem sempre nos chega. Por isso, deixa lá estar o mineiro e vai escrevendo, mas é!

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  8. Precisamente pelo que se sofre em cabeleireiros, em tempo, em dinheiro, em maus-tratos capilares e em conversas afectadas ou impertinentes, descobrir O-Cabeleireiro-Que-Nos-Compreende é um acontecimento único, de repercussões incomensuráveis nas nossas vidas, Leonor. Tem toda, toda a razão! ;-)

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  9. Mike e Carlota, se o meu ofício fosse escrever acho que iam sair mais crónicas, não me desejem mais idas às mestras dos bigodis, eu prometo ir contando umas histórias ou estórias :-)

    Luisa, um verdadeiro achado, fico feliz por me compreender. Acho que as cabeleireiras não gostam de mim também porque sou daquelas clientes fugazes, lavagem e corte bastam-me. Se passasse lá mais tempo ainda escrevia um livro :-)

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  10. Mulher! (me disculpe a frontalidade!) Rása'parta como esta mulher é parecida comigo!

    A minha trunfa também já me provocou alguns episódios arrepiantes em cabeleireiros até ter finalmente encontrado a profissional ideal (que tem o seu espaço na Malveira e que por acaso até vive ao meu lado na minha aldeia).

    Ele era: "Ah tens um cabelo tão bonito, porque é que o cortas??"
    "Tens tanto volume! Que espectáculo!"
    "Tens o cabelo forte e grosso, quem me dera tê-lo também assim!"
    "Não o cortes, é tão bonito!"

    A minha resposta era: "Ok, obrigado. Mas por acaso, até sou eu que acordo com ele todos os dias, por isso corte-mo como quero, se faz favor"...

    Eram palavras e dinheiro deitados ao vento...

    Actualmente, o da aldeia só serve para o esticanso em dias de festa.

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  11. Olha, já eu é mesmo ao contrário... não dispenso a minha cabeleireira (que, por acaso, não é por aí além simpática) porque é a única que temmão capaz para o meu cabelo fininho. Anseio pelo dia em que se voltem a usar permanentes, para voltar a fingir que tenho caracóis... já agora, a depiladora também é uma novela...

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  12. lol, Sónia :-)
    Só estiquei o cabelo uma vez, pelas minhas contas, há dez anos e ninguém me conhecia, boa táctica para passar despercebida...

    Fungaga, dispenso os cuidados das depiladoras, eu mesma trato do assunto no recato do lar. Falta-me a paciência para pôr o corpo nas mãos de tanta gente ;-)

    Beijocas

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