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sexta-feira, 15 de maio de 2009

Mercúrio retrógrado

Pela sala os despojos. Uma caixa pequena em cima da mesa, as fotografias e os livros fora do seu habitual poiso que, adianto, nada tem a ver com os padrões comuns de arrumação, porventura um conceito marginal na minha casinha amarela, uma caixa enorme encostada à lareira, a sensação de que algo passou por ali, perturbando a ordem oculta dos objectos, a insurreição de livros e minudências. Que é que achas? A imagem parece pior… deito um olhar mais prolongado Pois, realmente, parece menos definida e está tudo mais vermelho. Mas paciência. Pois paciência. Foram-se quase todos os canais da Fox, foi-se a TV24, e Travel Channel nem vê-lo. Tá bem, mas é menos de metade do preço. E para que queríamos tantos canais? Pois. Não faz mal. E a tarde que adormece pacífica. Um périplo pelo jardim. Já viste a amarilis? Está maior, qualquer dia dá flor. E as túlipas? Nada ainda. Raio do jardineiro que se me foi ao maçaroco. Raios o partam. O carvão no ponto óptimo para o comedido churrasco a meio da semana, a carne no grelhador e a noite que se aproximava tranquilamente arrumando o dia e dando lugar à quietude harmoniosa de que são feitas as comunhões singelas prenhes de afectos. O regresso à sala. Não está mal a imagem. Não, não está. E de repente o ecrã negro e mudo e quedo e ausente e distante. Que coisa. Um toque nos botões. Nada. Nada de nada. A desordem que se instala e ocupa selvaticamente a harmonia das palavras carinhosas, as túlipas, a amarilis, a gardénia e o maçaroco, raios partam o jardineiro. Impropérios saltam de encontro à televisão, altiva e orgulhosamente ausente. Cabos que se ligam e desligam, contactos falhados no possível mau contacto. A reclamação que se avizinha, telefone em riste. Meia dúzia de palavras que se trocam. Agora faça assim. Ligue aqui. Apague acolá. Ligue acolá. Apague ali. Quiçá reze aqui, ali e acolá, afinal era dia da Senhora de Fátima. Nada a fazer. Bem, vou ver um filme. DVD ligado e eis que irrompe na sala do nosso descontentamento pontual e passageiro um ronco forte e prolongado. Que é isto? O DVD. ISTO é o DVD. Abandono a sala prevendo um agravamento das condições naquele espaço. Rumo ao computador e tento abrir um documento de Word. Nada. Desta vez nem ronco, nem ecrã vermelho, nem coisa nenhuma. Apenas a recusa. Não consigo abrir os documentos. Nem um. E o turbilhão, entretanto calmo e silenciado pelo ronco do DVD, regressa agora a outra divisão da casa, fazendo jus ao Mercúrio retrógrado.

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