Quando um dia me tiraram do sério, tinha chegado havia poucos meses à escola onde estudei e de onde tinha saído para sete excelentes anos no Superior, e elevei a voz e disse quase tudo o que tinha a dizer a quem me traiu e trucidou uma amizade que contava à altura com vinte e um anos, prometi a mim mesma que não mais me apanhariam noutra. Obviamente não porque me julgue imune a traições futuras, embora duvide que se repitam com aquela dimensão, mas porque, uma vez expressa a minha indignação, passei a ser olhada de lado, um estigma que me perseguiu, às vezes acho que ainda persegue. E doeu. E não é pelo estigma que tomei a decisão de engolir indignações sucessivas, embora a solidão dos anos seguintes não tenha sido a mais fácil, mas pela parte de mim por que agradeço que ninguém me pegue, o orgulho. Não me ouvirão mais assim. Ora dito isto, andava já no meu quinto ano após este episódio, quando ao chegar à escola pela manhã, e era segunda-feira, avisto algo estranho. Cruzei-me com aquele objecto curioso uma série de vezes, tinha um ar antigo, antigo digno de antiquário, a patine de anos, décadas passadas, encerrava em si uma parte da História. Ficou na Escola, aquando da criação da mesma, uns dois ou três anos antes do vinte e cinco de Abril, quando era ainda a Secção do Liceu D. Pedro V, e foi deixada pelos padres, já que a escola foi instalada num antigo Seminário. Esta que terei de apelidar de minha escola, como se sabe, foi uma das intervencionadas pelo Ministério da Educação, no programa de Requalificação das Escolas. Enquanto o povo não se coibiu em ais de admiração pela ostentação de um espaço que pouco me serve e que nada me diz, fui e continuo céptica, não sei se é uma costela germânica, uma parte de pragmatismo, a racionalidade dos Gémeos ou tudo junto ou apenas eu. Nessa mesma segunda-feira, anteontem portanto, a minha voz ergueu-se e bradei aos céus quando vi o feito. Não é que pegaram no bengaleiro dos padres, uma peça de museu, um pedaço da História da escola e o pintaram de azul cueca para melhor condizer com a #$%&;/” da escola nova? E não é que pintaram uma cómoda e outro armário igualmente vetustos? Instalada a indignação culpa-se o arquitecto. Foi ele, diz que foi ele. Portanto, assim vamos, pintam-se os móveis antigos de azul cueca, azuel cueca, ouviram bem, para condizerem com as portas, os rodapés e os azulejos da escola nova. Pintemo-nos todos. Estou até a pensar em ir de azul cueca à inauguração da escola para não destoar ainda mais. E foi aí que a minha voz se ergueu.
Inacreditavel!! ... espero que entretanto ja 'tenham' contratado especialistas que retirem a camada de tinta e devolvam dignidade 'as pecas!
ResponderEliminarNada disso, Sinapse, foram os 'especialistas' que o besuntaram com a tinta dos rodapés. Assim é que é moderno! Impressionante. Ando uma fúria, como se pode notar pelos meus posts.
ResponderEliminarBeijinhos
Obrigada, Jean Marcelo.
Azul cueca.... não percebo, juro que não percebo como é que ainda pagam a alguém para fazer aberrações destas....
ResponderEliminarTenho que me rir, é mais forte do que eu....
Imagina agora que te pintavam a escola de verde "cueca".... lá terias tu que andar indignada porque tinhas o bengaleiro pintado de "verde caganita de passarinho", como dizem os queijinhos....
É triste!Percebo-te a fúria.
Bêjos
É que não dá para entender, Loca. Eu nem sou grande apreciadora de móveis antigos, mas obviamente que é um assassinato. Ainda se fosse para reparoveitar um móvel rafeiro...
ResponderEliminarNós hoje também já nos rimos, não há alternativa :)
Eu acho que devias ir mesmo de azul cueca... à inauguração, se bem que logicamente ninguém teria a sagacidade suficiente para perceber, parece-me!!
ResponderEliminarInacreditável, realmente. De provocar fúrias, sim. Já ouvi outras histórias de bradar aos céus, sobre arquitecturices nas escolas intervencionadas. O contexto político não explica tudo. Quanto a mim, há muita incompetência da parte dos arquitectos. Sim, porque um arquitecto que "manda" fazer uma "obra" dessas é incompetente.
ResponderEliminar:)))
Nem me digam nada! Esta história da escola nova anda a tirar-me do sério completamente. Ainda hoje assisti a uma cena de um pobreza de espírito e obscurantismo inadmíssiveis no século XXI. Não gosto de usar o blogue como arma de arremesso, até porque há questões éticas naturalmente, mas só vos digo que que vai de mal a pior :((
ResponderEliminarPatrícia, só não o faço porque dessa cor só mesmo cuecas :))) e há coisas mais giras para gastar o guito do que a roupa para a inauguração. Achava uma certa piada se fôssemos todos de azul cueca :)
Maria do Sol, não sei o que pensam os arquitectos, juro que não, nem sei que ideia têm de uma escola. Como já disse algures, os estores que são lindos não escurecem as salas e ainda por cima, como têm frestas, a luz matinal incide nos olhos dos miúdos. Sendo 27 não tenho espaço para os mandar para outro lugar. A sala dos professores é muito pequena para tantos professores, não há sítio sequer para nos sentarmos a tomar um café nos intervalos. Temos um gabinete de trabalho para cerca de quarenta professores. A desilusão é grande, especialmente depois de ver o entusiasmo de algumas pessoas perante a escola a nova. Muito bonita por fora.
Se fossem todos de azul cueca ainda haveria uns quantos que diriam que estava fenomenal.
ResponderEliminar:))
Noutras que também sofreram intervenção, os excelentíssimos arquitectos esqueceram-se que nos laboratórios são necessárias bancadas de trabalho....
Vá-se perceber....
Bêjos
Quem sabe não teríamos todos excelente pela consideração e reverência pela escola azul cueca ;-)
ResponderEliminarEssa que contas também é linda, Loca. Mas será que se esqueceram que aquilo é uma escola? Impressionante.