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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Palavras proibidas

Na minha escola há duas palavras proibidas. Na minha escola há duas simples palavras, poderosas e inesquecíveis que se tentam a todo o custo esborratar, manchar, apagar, até que desapareçam da cabeça mesquinha das mentes obscuras e ignorantes. Pobres de espírito não sabem que os escritores não morrem e viverão muito depois de apagadas as palavras da porta da escola. Na minha escola há duas palavras pronunciadas a custo, ditas com raiva e ódio, envoltas na beatice das hóstias, améns e padres-nossos, bentas criaturas mais preocupadas em denegrir o semelhante do que praticar Cristo e do mundo limpo de pecados. Na minha escola há duas palavras para matar. Espezinhar. Esborrachar debaixo das solas fedorentas como se faz a baratas imundas. Na minha escola há duas palavras que se desrespeitam pelo esquecimento forçado, pelos quadros que se encafuam em arrumações, letras tão convenientemente esquecidas na azáfama da ostentação oca e provinciana. Na minha escola há duas palavras que o mundo respeita. Na minha escola recozem-se ódios antigos e conservadorismos bafientos. Na minha escola escondem-se os vestígios do que fomos para que sejamos outros. Na minha escola há duas palavras proibidas. E contudo, viverão. Sempre.


fotografia minha: Exposição "A Consistência dos Sonhos"

6 comentários:

  1. Pensei que com o tempo, as mentes se fossem abrindo, se fizesse alguma luz e reconhecessem que há nomes e há obras que são imortais. Que ingénua sou!

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  2. Muito ingénua, tu e eu. Mas entristece-me profundamente que assim seja e que a minha escola não tenha a dignidade de honrar o seu patrono e vá num chorrilho de mentiras como foi visto na lamentável petição. Pobres de espírito :(

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  3. Ui, que a Teimosita voltou. Mike, atenção às vírgulas, rapaz. ;-) Leonor, confesso, por mais que me custe e choque quem me lê, que as mentalidades que encontrei quando aqui cheguei em 1975, não mudaram assim tanto passados 35 anos. Lamentavelmente. :-(

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  4. Mas isso é que me assusta, Mike. Ontem estive a ver o "Milk", que ainda não tinha visto, e os argumentos da Anita Bryant em fins dos anos 70 na América continuam a ser usados em Portugal no século XXI. Assutador.
    Em relação à minha escola, é uma vergonha. Para algumas mentes iluminadas, o Saramago não passa de uma comunista nojento, e como tal a escola deve voltar a chamar-se Escola Secundária de Mafra. É uma prova constrangedora de ignorância e de obscurantismo, por parte de pessoas que sendo professores deviam dar o exemplo de abertura, tolerência e, acima de tudo, o reconhecimento do talento do escritor. Além disso, Mafra tem muito a agradecer a Saramago. Graças ao 'Memorial' o número de visitantes aumentou significativamente, a vila tornou-se mais viva e conhecida internacionalmente. Mas não.
    O caricato é que houve uma petição cheia de mentiras a rodar para mudar o nome e imagine que foram pedir assinaturas à porta da Igreja no fim da missa. Descobertas as mentiras e reposta a verdade no pasquim da terra e com a morte de Saramago, o assunto arrumou-se, até às vésperas da inauguração da escola. Triste. Algo me diz que não vão descansar enquanto não conseguirem.

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  5. A intolerância é, de facto, uma coisa lixada. Em todos os sentidos. Ou lados, sei lá.

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