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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Comunistas e brasileiros

Quis a sorte, a coincidência ou o azar, lá para Junho já saberei, que devido aos meus afazeres profissionais tivesse de conviver com umas peruas urbanas. Vejo as peruas uma vez por mês sensivelmente e para minha imensa sorte revezam-se: ora vai uma ora vão duas mas apenas uma vez se juntaram as quatros, ou as três, já que uma, embora perua, tem a sua condição em estacionária e é relativamente simpática. Na sua condição de peruas sabem mais do que todos os presentes, falam também mais do que todos os presentes e têm a sobranceria própria de quem sabe sempre tudo.
Quando uma dessas vezes se falou sobre música e sobre festivais de verão a propósito do Wacken Open-Air e deste filme, rematei que os meus alunos e alunas gostavam muito de ir ao Avante. Soube-o quando me reencontrei com as minhas alunas depois do Verão e felizes pelo feito partilharam excitadas que tinham conhecido um comunista alemão, pasme-se, e que tinham trocado umas palavritas na língua de Goethe. Uma das peruas, abriu a boca em O, manifestamente incomodada, onde já se viu, sua comunista de merda, e atirou lesta que isso era outra coisa, depois de restolhar o traseiro na cadeira e de me arremessar um olhar mortífero, quase temi que deitasse chispas pela boca. Eu pensava que este medo dos comunistas era coisa do passado, é certo que a perua não é nova, mas credo, aquele medo até me deu medo daquele bicho de cabelo armado e dedos cobertos de ouro mais a medalhinha da senhora de Fátima ao pescoço. Lá justifiquei que para os adolescentes a política não interessa e que vêem o Avante apenas como mais um festival e uma forma de se divertir.
O segundo quid pro quo surgiu a propósito da contenda português português e português brasileiro. As peruas, desta feita em par, rebelaram-se contra os livros em português brasileiro. Que não, que não gostavam. Que não gostavam do português do Brasil. O orientador do curso olhou-as meio surpreendido e acrescentou Então e a música brasileira? Fizeram um esgar Ah pois. Uma das peruas assanhou-se e começou a destilar o ódio midúdinho contra o acordo ortográfico e eu, já com palpitações, afirmei que sim que gostava do português do Brasil, que era doce e melodioso e perguntei-lhes E quando lêem livros de autores brasileiros? As peruas restolharam os rabos nas cadeiras e responderam Mas o Paulo Coelho nem escreve bem em português do Brasil. Ora estamos conversadas quando para alguém a literatura brasileira é Paulo Coelho. Ainda estive para lhes esfregar nas cristas uma série de outros nomes, mas deixei-as lá sossegadas. Ide fazer glu glu para outro lado.

4 comentários:

  1. Leonor, não sou nada contra um acordo ortográfico. Acho que há lógica numa actualização/aproximação ortográfica, tanto mais que, se o português é ainda uma das línguas mais faladas no mundo, ao Brasil o deve. Mas há dias, a propósito dos distúrbios que vão grassando pelo mundo islâmico, achei estranho ver escrito na televisão Egito sem «p» e egípcios com «p». Sei que o primeiro «p» não se lê e que o segundo se lê, mas… mas desconfio de que o estudo «etimológico» vai passar, doravante, a ser menos intuitivo, reserva, diria, de eruditos. :-)

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  2. De facto, há palavras que me parecem estranhas, como o tão recente "Egito" de que fala, Luísa. Aqui a questão era mesmo outra ;-)

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  3. Texto delicioso, Leonor. Na forma e no conteúdo. Gostei muito.

    [E como a compreendo. Volta e meia tenho de conviver com algumas... Um susto. E sim, o que apetece é desligar e deixá-las a fazer glu glu onde bem lhes aprouver.]

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