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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Vêm aí os russos (1)

Os russos, querida Io, os russos.
Da janela do avião avisto as palavras inconfundíveis como um frenesi inesperado, uma pequena centelha no coração, o passado que nos cutuca. As palavras que durante a minha puberdade e adolescência apareciam amiúde na televisão a preto e branco, sempre a preto e branco, lia-as agora ao vivo, mas não a cores, um manto cinzento cobria o céu sobre Moscovo indiferente às palavras da adolescência e ao pequeno frenesi de mais uma vez me encontrar com a memória e cumprir um desejo antigo. Москва. Seguindo fielmente as indicações de sites e livros, guias e outros pedaços de escrita, reservámos pela net um táxi. Do lado esperava-nos um homem jovem, talvez nos quarenta, com um cartaz com o meu nome. Cumpridas as formalidades, cumprimentos e boas tardes, seguiu à nossa frente, impávido, sem um sorriso ou algo que pudesse indiciar, sei lá, como lhe chamar, um contacto amistoso, o sorriso tão comum entre outros povos deste mundo em ebulição. Nada fez mover o russo. Uma verdadeira parede de aço. Nem sequer um gesto cordial para ajudar nas malas. Não que fosse antipático ou grosseiro, não, ainda não. Uma total ausência de emoção, de sentir, de tudo o que tivesse a ver com a parte sensorial da vida, os músculos da cara hirtos, não sei se também o coração. A russa seguinte com a qual contactei, era uma mulher pequena, algures nos cinquenta anos, de olhos azuis e cabelo louro e não falava uma única palavra de Inglês. O facto de se estar numa zona turística, com alguns hotéis em volta, tão soviéticos como soviético se pode ser, ou não tivessem sido erigidos para albergar os atletas das Olimpíadas de 1980, as tais em que o Mischa foi estrela. Ao entrar no restaurante e meter a cabeça perguntei Do you speak English? A mulher sorriu, uma lança em África tendo em conta o russo anterior, a parede de aço impassível durante quase duas horas pelos arrabaldes de Moscovo, e respondeu No English. English Menu! Pronto estava safa. Quando veio o "English Menu", apenas uma parte estava traduzida e como! Portanto restava-nos um ou dois pratos de galinha, salmão e pouco mais. O sítio era aprazível, pequeno, cheio de fumo, essas modernices da Europa ainda não chegaram à Rússia, com mesas de madeira e um ambiente acolhedor. A língua não era problema ali. Bastava-nos um sorriso, o dedo indicador sobre o palavreado que nos iria saciar a fome depois da viagem longa, e mais dedos para indicar a quantidade, um, dois, três. Havíamos de voltar.


fotografia minha

9 comentários:

  1. Uau! Isto promete, isto promete! Gentinha fixóide, hein?

    Obrigada, minha querida, obrigada

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  2. Estes foram os melhorzinhos que encontrámos :)
    Beijoca

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  3. Вы нуждаетесь в жизни
    чтобы войти в душу русского народа!


    (você precisa uma vida inteira para penetrar na alma do povo russo)
    passando pela aventura da língua; mas qual povo russo?! Os 'asiáticos' sem expressão aparente são tão distintos das loiras escandinavas, apesar de 'uma certa impassividade' destas...
    é inesgotável! Tanto os encantos como as dúvidas e 'os mal-estares'

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  4. Eu não quero entrar na alma do povo russo!!!! :)

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  5. Que curioso, pirata...
    Vou lá fazer mesmo o que der na cabeça :)

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  6. Desculpe, pensei que não pensasse que me interessa a sua vida privada.
    Terá ido visto o Mausoléu e o grande Tsar Pushka... e o Kremlin e o inigualável Metro... já agora, fique a saber que a Krassnaia Plochad era krassivaia antes de ser krassnaia - ajuda a justificar melhor as fotografias...

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  7. Eu sei que a minha vida privada não lhe interessa, felizmente, acrescento. Mas o que é se faz quando se viaja se não colher impressões, expor-se a sensações, conhecer, ver e sentir, em suma? Querer apropriar-me da alma russa em meia dúzia dias seria muita presunção e como lhe disse não fiquei com vontade de o fazer mas gostei de Moscovo. Melhor, gostei da experiência.

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  8. Em relação à Praça Vermelha, eu sei que nada tinha a ver com vermelho.

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