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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Vêm aí os russos (6)

E no último dia o sol brilhava sobre o Moscovo, estava aberto e não havia fila. Uma última manhã e uma última oportunidade. Diz Kaminer mais uma vez que só os estrangeiros lá vão. Os holandeses também dizem o mesmo dos coffee shops e outros povos dirão o mesmo dos que lhes provoca embaraço ou desconforto. À minha frente estava a oportunidade de ver o morto mais famoso do planeta, aquele que é levado para que lhe façam a manutenção, pobre Wladimir, nada como tinha desejado, e que também já foi objecto de controvérsia. A última vez que vi um morto assim venerado, mas por outras razões milagreiras, foi a Santa Maria Adelaide, uma vez que a minha avó paterna se cobriu de fervores religiosos, mas não me consta que lhe façam manutenção, pobre mulher. Seria rápido, estar na fila para ver mortos nunca foi meu lema e mataria -verbo curioso, logo aqui - de uma vez alguma curiosidade mórbida. Sim, é verdade. Malas, carteiras, máquinas fotográficas e telemóveis extirpados dos visitantes e eis que me vou aproximando do lado de dentro dos muros do Kremlin, lá onde via desfilar as paradas a preto e branco encimadas por Brejnev e outros camaradas. A memória colectiva de que sou feita. Instantâneos da História. O mausoléu é um monstro de basalto negro no interior e que tem a capacidade de nos fazer sentir pequenos, mínimos, assim que descemos as escadas. E ei-lo. Iluminado no centro da sala, o boneco de cera mais famoso do mundo: Vladimir Ilitch Lenin. Alguém achará que ali ainda está o homem? Saio do mausoléu e entretenho-me a ver as pedras tumulares dos falecidos, um esforço sobre humano, este de decifrar o cirílico, um enigma que ao longo dos dias se foi desvendando e que alimenta a aura de uma cidade que não se deixa possuir, orgulhosa e imponente.
E está sol. A Catedral de São Basílio em contra luz, é quase meio-dia, e os turistas juntam-se em busca do ângulo certo, é sempre assim no mundo. Saio pela mesmíssima Porta por onde terei entrado há uns dias atrás. Há bancas de matrioskas e chapéus de pêlo. Experimento um vermelho, giro e exótico, e penso, Mas onde é que eu vou com isto? O rapaz que os vende arranha inglês, pergunta-me a nacionalidade e solta umas palavras em português. Igual, afinal, igual a todos os comerciantes do mundo. 
E digo adeus a Moscovo. Irei voltar?


fotografia minha

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