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sábado, 27 de agosto de 2011

Vêm aí os russos (5)

Foi acaso puro o que naquele dia de Dezembro gélido me levou a estar frente a frente com os frescos na Karlskirche em Viena. A igreja estava a ser restaurada e havia andaimes. Podia chegar-se bem perto, ver com outra acuidade. Esta subida aos céus, entre anjos e a mãe de Cristo, deixou-me inquieta. Havia algo de sensual naquelas imagens que se queriam bentas, talvez por serem gorduchas, a antítese da imagem quase assexuada que fazem passar de expressões sempre piedosas e infelizes. Em Moscovo não precisamos de subir aos céus para nos deixarmos surpreender. Ao contrário de muitos outros sítios, em Moscovo há que descer às profundezas e adentrar as entranhas da cidade. Lá onde o povo segue as suas vidinhas, iguais a todos as outras, longe da luz e do sol, onde todos podem usufruir da arte e do sublime. E contudo tão assombrosamente belo. O Metro, pois claro. O Metro de Moscovo é um daqueles lugares que devíamos ver uma vez na vida. Mandado construir por Stalin, foi inaugurado em 1935 e ultrapassa tudo o que por aqui se poderá dizer. Há lustres, painéis de azulejos e vitrais, abóbadas trabalhadas, tectos com medalhões, estátuas. Já estive em museus mais feios e com mais fama. E eles lá passam, os russos, ensimesmados com as suas interrogações. Tê-las-ão? Lá andam nas suas vidinhas, passando para cá e para lá com um destino definido. Indiferentes. Nem um olhar sequer. Aqui é muito fácil detectar os estrangeiros. Viram as cabeças para o ar, fazem voltas de trezentos e sessenta graus, e deixam cair o queixo literalmente, uns convictamente de máquina fotográfica em punho, outros com elas esquecida, como um pedaço inútil que lhes cai do braço. Impossível abarcar tanta sumptuosidade. Quanta beleza. Mas não para os moscovitas. Não querem saber da Kievskaya. Caminham sem um olhar na Mayakoskaya e a mantêm as carrancas inexpressivas na Novoslobodsakaya. Abrem apenas uma excepção para os cães da Ploshchad Revolyutsii. Dizem que dá sorte fazer uma festa no focinho dos cães de bronze que acompanham as estátuas do povo soviético ali retratado. Eles cumprem, quem diria, e os focinhos estão reluzentes. Por via das dúvidas também eu fui lá dar uma afagadela, gosto de cães, até dos de bronze, isto na impossibilidade de me ter alongado horas perdidas de estação em estação, tanta harmonia, quase apetece dançar uma valsa na Komsomolskaya. Belo. Belo. Belo. Tudo ao nosso alcance, apenas com um simples bilhete de metro, tão barato e tão para todos. Muito bem. Estes russos não param de me surpreender.
fotografia minha

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