Segunda-feira. Oito e trinta. Teste. Quando tudo se acalmou, se arrumaram nas cadeiras e mergulharam naquelas três páginas A4 rabiscadas de letras, de lá do fundo levanta-se um braço. Acorro lesta. Setora, dizem-me baixinho, O meu dicionário não tem esta palavra e aponta-me a dita. Atypical. Respondo Atípico. Atiram-me, Sim, mas o que é isso. Ouço um burburinho, cabeças que se viram na minha direcção e explico a todos o significado da palavra em português. Muito atípico no meio de um teste.
Segundo round. Outro braço que se levanta. Acorro lesta como sempre, pronta a esclarecer as dúvidas, nada pior que ficar com dúvidas. A professora não quer os seus meninos com dúvidas. Sussurram-me outra vez, de dedo apontado à palavra rapioqueira, mais uma das malvadas que se esconde dos meninos da professora. Esta aqui, dizem-me. Quem disse que a história não se repetia mentiu profundamente. Neologisms? Neologismos! digo peremptória. Sim, setora, mas é o quê?
Terceiro round. Fim da aula. Uma voz que se ergue. Setora, podemos inventar na composição? Podem, respondo, desde que seja verosímil. A meia dúzia de almas que restava irrompe numa sonora gargalhada. Se lhes tivesse contado uma anedota, teriam achado que era uma piada seca, diriam que a prof tem um sentido de humor estranho ou que se acha engraçadinha e certamente seria brindada com um sorriso amarelo. Era uma palavra. Uminha, sem segundas intenções. Questionam-me O QUÊ? O que é isso, setora? A professora esforça-se por explicar o que é verosímil numa linguagem acessível. Uns pedem, Diga lá outra vez! E tentam repetir Verobivel? Como é que é? Outra conclui Boa! Já aprendi uma palavra hoje, mas depois repete-a, tá bem, setora? Nada como umas palavras novas para animar uma segunda-feira cinzenta de Dezembro.
Sugiro aos teus alunos algo similar à uma seção de uma revista semanal/mensal chamada "Enriqueça seu vocabulário". Era escrita pelo Aurélio, o mesmo do dicionário.
ResponderEliminarFabuloso!
ResponderEliminarAinda há pouco, um me dizia: "Está para aí com essa conversa fina para quê? Ninguém a percebe."
Ah Ivone essa está de gritos!:))
ResponderEliminarHehe Leonor, fantástico. :)
Eu sou o mais possível a favor de usar abundamentemente palavras que eles não compreendem à primeira...caso contrário, o léxico que dominam será mais e mais reduzido.
ResponderEliminarAté cá em casa com a minha filha uso a mesma política, com resultados muito semelhantes aos da sua aula, certo é que depois da ida ao dicionário lá fica mais uma...
Um abraço
~CC~
Não sei como é no Brasil, Aventino, mas aqui a falta de vocabulário é assustadora. Beijo grande
ResponderEliminarÉ isso, Ivone, ninguém nos percebe :)
Obrigada, Fátima :)
Eu acho que esta falta de vocabulário também é de falarem pouco com adultos. Não puxam por eles, CCS.
O mais engraçado nesta aula foi a gargalhada deles.
Beijo
Not so atypical, I'm afraid...
ResponderEliminarNot at all :)
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