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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Epifanias e despencanços

Corria o ano da graça de dois mil e nove, estava um calor verdadeiramente abrasador, talvez o mais escaldante que terei sentido, o Adriático convidava à contemplação e ao mergulho numa das mais belas cidades europeias, quando tive uma revelação, epifania parece-me levemente exagerado neste caso. A revelação assombra-me a espaços. Para minha grande sorte só me assombra mais pela fresca, quando depois do banho observo contristada mais um pedaço de mim para quem a gravidade foi madrasta e votou a uma existência despencada. No meio dos quarenta já não há contemplações, ilusões muito menos, há apenas constatações óbvias do que somos, uns pedaços de carne que parecem escorregar por nós abaixo sem cerimónia e nesta descoberta só me restou um caminho: aceitar.
Quando naquele verão escaldante resolvemos dar uma volta de barco e circundar a ilha em frente de Dubrovnik estava longe de pensar que a imagem me iria perseguir. Bem do lado oposto ao que dá para terra, situa-se uma zona de nudismo. Há mulheres, é verdade, mas havia muito mais homens, homens acompanhados de homens, de rabos ao léu escuros como o resto do corpo, sem marca de coisa nenhuma, um corpo dourado uniforme sem riscas nem interrupções, e havia homens de todas as idades, novos, menos novos e alguns mais velhos. Ora os novos e os menos novos não me trouxeram nada de novo. Nada que nunca tivesse visto antes. Uns mais enxutos do que outros eram homens como sempre os houvera visto. O mesmo já não posso dizer dos velhos, já que uma vez de rabos virados para as rochas e de barriga virada para o Adriático ostentavam no zénite aquilo que eu só ousara ver em versão jovem e menos jovem e portanto não naquele estado de ressequimento e despencanço. Deuses meus que repousam lá no Olimpo!  E esta é a parte em que podia estabelecer comparações, explicar-vos o que me pareceram aqueles pedaços de carne ao delãodão mas em que me votarei ao silêncio que este é um blogue decente. Nesse dia invejei os homens. A parte que mais evidencia a passagem de Cronos passa os dias encafuada em roupa, escondida e protegida de comentários menos próprios sobre o envelhecimento tão óbvio, tão ressequido, tão mirradinho, valham-me Júpiter e Zeus. Uns sortudos, portanto. Os homens podem até ser velhos mas serão grisalhos e sexys até se exporem com tudo ao léu, tudinho como vieram ao mundo. E é essa inveja miudinha que me ataca sempre que passo creme nos meus tríceps e lamento a triste sorte de um dia escrever no quadro e provocar uma corrente de ar com as peles descaídas ou de levantar voo como a Mary Poppins. Não há como esconder a velhice e não posso andar de mangas compridas o ano inteiro. O pior é que o envelhecimento não é nada comparado com isto. Diz-se agora que a partir dos quarenta e cinco  as capacidades cognitivas começam a ficar eufemisticamente menos apuradas, ou seja, ficamos mais burros. Assim mesmo, sem rodeios. Afinal prefiro as carnes caídas. Sem o viço e sem a inteligência não há quem nos possa valer. É de mais para uma mulher só. Não podia ser apenas um?

10 comentários:

  1. Podia:) devia:)
    Absolutamente injusto!
    Um menos para esta notícia! lol

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  2. A imagem com que fiquei na minha cabeça não me permite neste momento escrever mais nada ;o)

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  3. Nem mais, Fátima :)


    E tu nem os viste, fantasminha, imagina se tivesses visto :)))))))

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  4. Não acredite...qualquer dia outro estudo virá dizer o contrário...tudo depende de aplicarmos os neurónios diariamente...por exemplo, escrevendo belso textos como este.
    ~CC~

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  5. :))Há injustiças da natureza, pois há!

    Eu, porém, não tenho esse problema ao escrever no quadro: está tudo tão anafadinho que nada cai.Cada um vive com a sorte que tem :)

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  6. Espero que tenha razão e que estejam enganados, CCF :)
    Foi uma das minhas resoluções: recomeçar a escrever numa base mais regular. Obrigada :)

    LOL, Ivone :)
    E não sabes que também sou anafadinha? A gravidade nem assim se compadece :)

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  7. Ui, que visões aterradoras!

    Fico-me por Dubrovnyk, a joia magnífica do Adriático!

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  8. Dubrovnik é uma cidade lindíssima! É uma imagem bem mais agradável :)

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  9. Já vai chegando a altura em que é preciso ter algum cuidado quando resolvo cruzar as pernas!!!

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