Corria o ano da graça de dois
mil e nove, estava um calor verdadeiramente abrasador, talvez o mais escaldante
que terei sentido, o Adriático convidava à contemplação e ao mergulho numa das
mais belas cidades europeias, quando tive uma revelação, epifania parece-me levemente
exagerado neste caso. A revelação assombra-me a espaços. Para minha grande
sorte só me assombra mais pela fresca, quando depois do banho observo
contristada mais um pedaço de mim para quem a gravidade foi madrasta e votou a
uma existência despencada. No meio dos quarenta já não há contemplações, ilusões
muito menos, há apenas constatações óbvias do que somos, uns pedaços de carne que
parecem escorregar por nós abaixo sem cerimónia e nesta descoberta só me restou
um caminho: aceitar.
Quando naquele verão escaldante
resolvemos dar uma volta de barco e circundar a ilha em frente de Dubrovnik
estava longe de pensar que a imagem me iria perseguir. Bem do lado oposto ao
que dá para terra, situa-se uma zona de nudismo. Há mulheres, é verdade, mas
havia muito mais homens, homens acompanhados de homens, de rabos ao léu escuros
como o resto do corpo, sem marca de coisa nenhuma, um corpo dourado uniforme sem riscas nem interrupções, e havia homens de todas as idades, novos, menos novos e
alguns mais velhos. Ora os novos e os menos novos não me trouxeram nada de
novo. Nada que nunca tivesse visto antes. Uns mais enxutos do que outros eram homens como sempre os houvera visto. O
mesmo já não posso dizer dos velhos, já que uma vez de rabos virados para as
rochas e de barriga virada para o Adriático ostentavam no zénite aquilo que eu
só ousara ver em versão jovem e menos jovem e portanto não naquele estado de
ressequimento e despencanço. Deuses meus que repousam lá no Olimpo! E esta é a parte em que podia estabelecer comparações, explicar-vos o que me pareceram aqueles pedaços de carne ao delãodão mas em que me votarei ao silêncio que este é um blogue decente. Nesse dia
invejei os homens. A parte que mais evidencia a passagem de Cronos passa os
dias encafuada em roupa, escondida e protegida de comentários menos próprios sobre
o envelhecimento tão óbvio, tão ressequido, tão mirradinho, valham-me Júpiter e Zeus. Uns sortudos, portanto. Os homens podem até ser velhos mas serão grisalhos
e sexys até se exporem com tudo ao léu, tudinho como vieram ao mundo. E é essa inveja
miudinha que me ataca sempre que passo creme nos meus tríceps e lamento a triste
sorte de um dia escrever no quadro e provocar uma corrente de ar com as peles
descaídas ou de levantar voo como a Mary Poppins. Não há como esconder a velhice e não posso andar de mangas compridas o ano inteiro. O pior é que o envelhecimento não é
nada comparado com isto. Diz-se agora que a partir dos quarenta e cinco as capacidades cognitivas começam a ficar eufemisticamente menos apuradas, ou seja, ficamos mais
burros. Assim mesmo, sem rodeios. Afinal prefiro as carnes caídas. Sem o viço e
sem a inteligência não há quem nos possa valer. É de mais para uma mulher só. Não podia ser apenas um?
Podia:) devia:)
ResponderEliminarAbsolutamente injusto!
Um menos para esta notícia! lol
A imagem com que fiquei na minha cabeça não me permite neste momento escrever mais nada ;o)
ResponderEliminarNem mais, Fátima :)
ResponderEliminarE tu nem os viste, fantasminha, imagina se tivesses visto :)))))))
Não quero imaginar, ui!!!! :)
ResponderEliminarNão acredite...qualquer dia outro estudo virá dizer o contrário...tudo depende de aplicarmos os neurónios diariamente...por exemplo, escrevendo belso textos como este.
ResponderEliminar~CC~
:))Há injustiças da natureza, pois há!
ResponderEliminarEu, porém, não tenho esse problema ao escrever no quadro: está tudo tão anafadinho que nada cai.Cada um vive com a sorte que tem :)
Espero que tenha razão e que estejam enganados, CCF :)
ResponderEliminarFoi uma das minhas resoluções: recomeçar a escrever numa base mais regular. Obrigada :)
LOL, Ivone :)
E não sabes que também sou anafadinha? A gravidade nem assim se compadece :)
Ui, que visões aterradoras!
ResponderEliminarFico-me por Dubrovnyk, a joia magnífica do Adriático!
Dubrovnik é uma cidade lindíssima! É uma imagem bem mais agradável :)
ResponderEliminarJá vai chegando a altura em que é preciso ter algum cuidado quando resolvo cruzar as pernas!!!
ResponderEliminar