A primeira explicação encontra-se na fotografia de casamento dos meus pais. Da esquerda para a direita estão os meus avós paternos, o meu avô garboso e a fazer pose, a minha avó muito sorridente, um momento raro, de vestido escuro, colar de pérolas e chapéu, ambos sorridentes, parecem felizes ambos, o meu pai, muito direito a fazer-se indecentemente para a fotografia, atitude que o acompanhou durante todos os seus dias, a minha mãe, radiosa, como todas as noivas, embevecida a olhar para o seu recente marido e a minha avó materna, pequenina e fofa, já de cabelo branco e com o ar doce de sempre. E vem tudo isto, porque o pedaço de perna e de pantorrilha que sobra dos vestidos de ambas as minhas avós deixa à mostra a pernoca gorducha e o tornozelo grosso. A da minha mãe, igualmente gorducha e de tornozelo grosso não se vê evidentemente. Penso nesta fotografia quando me travo de razões com as pernas encorpadas e tornozelos grossos e maldigo a genética.
A segunda explicação é que de todos os pecados mortais aquele a que mais sucumbo é a gula. Não preciso de comer muito, às vezes como, é verdade, mas sabem os deuses e Baco também, como gosto de uma refeição opípara, preparada com carinho e partilhada com a generosidade de dividir amores e deixar misturar-se no ar o aroma volúvel da amizade. Se estiver sozinha, como algo rápido e frugal, passam-se anos sem que coma um bolo de pastelaria, prescindo de cremes, natas e bolos superlativos de cores e decorações, torço o nariz aos fritos que me olham de soslaio, miseráveis na sua existência entre vitrinas, se não comer pão não morro e batatas fritas e massas, como legumes, como fruta, como iogurtes magros, bebo muita água, mas não resisto a uma boa mesa entre amigos, um jantar de sexta-feira caprichado e um almoço de Domingo retemperador e prenhe de sabores novos e velhos na calmaria de nada fazer.
A terceira explicação é que gosto de cozinhar. Gosto de experimentar coisas novas, acrescentar ao que já sei fazer, modificar o faço, modifico muito e raramente sigo uma receita à risca e gosto das cores, das fragrâncias, da expectativa, de cozinhar para os outros. E gosto de bebericar um copo de vinho enquanto cozinho, ou enquanto espero ou com a refeição, e de comer uns amendoins salgados e picantes ou depenicar qualquer outra coisa que me corte o adocicado do Moscatel ou do vinho do Porto ou do Port Tonic que, como se prevê, também gosto.
E serve isto para dizer que com esta genética e estes prazeres, só me restam dois trilhos: ou me conformo com as formas rotundas, cada vez mais rotundas, ou me abalanço na dieta. Optei pela última, mas como as dietas são como as leis, existem para ser quebradas, hoje fiz um clafoutis de morangos para rematar o almoço de Domingo. Apetecia-me tanto mas tanto algo doce. Pareceu-me pouco calórico e primaveril para comemorar a estação. Uma fatia não faz mal, ou fará?
Receita aqui
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