O H. disse "Estive a fazer um CD de músicas brasileiras para nós. Anda cá ouvir." Larguei livros e dossiers e abandonei à porta de casa a azáfama do quotidiano. O dia adormecia calmo. Ele ia perguntando "E agora, que música vem a seguir?". Como um jogo ficámos entretidos, partilhando a banda sonora de algumas das nossas viagens, de muitos dos momentos em comum. Acredito que todas as vidas têm uma banda sonora. Depois disse "e neste CD está uma pequena homenagem ao teu pai..." E a seguir surgiu a voz serena de Adriana Partimpim Avião sem asa, fogueira sem brasa/ sou eu assim sem você... Estiquei-me no sofá. E Adriana continuava Neném sem chupeta/ Romeu sem Julieta/ Sou eu assim sem você/ Carro sem estrada/ Queijo sem goiabada/ Sou eu assim sem você. E enquanto Adriana continuava entoando serenamente a sua melodia, chorei serenamente como a sua melodia e deixei contida que as lágrimas seguissem o seu curso, rosto abaixo, pelo ribeiro da saudade.
No último aniversário do meu pai, a minha mãe ofereceu-lhe este mesmo CD. Não que Adriana Partimpim fizesse parte dos seus gostos musicais. Ambos gostavam muito desta canção e nela estava contida a declaração do seu amor inabalável de 51 anos de vidas partilhadas. A parte preferida de ambos era mesmo a do Queijo sem goiabada, também porque não existindo um sem o outro em casa dos meus pais e na casa dos pais dos meus pai, herança da vovó brasileira, mãe do meu pai, o meu pai sabia como era desasado, sensaborão e desprovido de intensidade o queijo sem goiabada, também a goiabada sem o queijo. A minha mãe concordava.
Que o Romeu vivesse sem a Julieta mais não era do que o recurso a uma referência literária, muitas vezes apenas mais um cliché dos amores sofridos e impossíveis. Que existisse neném sem chupeta ou circo sem palhaço eram apenas figuras de estilo para exprimir a urgência do amor. Nenhuma das metáforas detinha a intensidade do queijo sem goiaba para ambos que, precisamente por serem contrastantes no sabor, são um deleite para o palato e uma lição para a vida: o que não é contrastante torna-se monótono. Quando um é igual ao outro, um é apenas a continuação do outro, não outro. Tal não era aplicável aos meus queridos pais. Encontravam-se na diferença, respeitavam-se na divergência e amavam-se com tudo isso e acima de tudo isto. Um amor assim não se pode sequer explicar e agradeço a Adriana uma das mais eloquentes formas de o apresentar.
Quero acreditar que lá onde está o meu pai memória desta vida não se consente, senão estaria decerto cantando para minha mãe Queijo sem goiabada/ Assim sou eu sem você… eu não existo longe de você/ E a solidão é o meu pior castigo…
No último aniversário do meu pai, a minha mãe ofereceu-lhe este mesmo CD. Não que Adriana Partimpim fizesse parte dos seus gostos musicais. Ambos gostavam muito desta canção e nela estava contida a declaração do seu amor inabalável de 51 anos de vidas partilhadas. A parte preferida de ambos era mesmo a do Queijo sem goiabada, também porque não existindo um sem o outro em casa dos meus pais e na casa dos pais dos meus pai, herança da vovó brasileira, mãe do meu pai, o meu pai sabia como era desasado, sensaborão e desprovido de intensidade o queijo sem goiabada, também a goiabada sem o queijo. A minha mãe concordava.
Que o Romeu vivesse sem a Julieta mais não era do que o recurso a uma referência literária, muitas vezes apenas mais um cliché dos amores sofridos e impossíveis. Que existisse neném sem chupeta ou circo sem palhaço eram apenas figuras de estilo para exprimir a urgência do amor. Nenhuma das metáforas detinha a intensidade do queijo sem goiaba para ambos que, precisamente por serem contrastantes no sabor, são um deleite para o palato e uma lição para a vida: o que não é contrastante torna-se monótono. Quando um é igual ao outro, um é apenas a continuação do outro, não outro. Tal não era aplicável aos meus queridos pais. Encontravam-se na diferença, respeitavam-se na divergência e amavam-se com tudo isso e acima de tudo isto. Um amor assim não se pode sequer explicar e agradeço a Adriana uma das mais eloquentes formas de o apresentar.
Quero acreditar que lá onde está o meu pai memória desta vida não se consente, senão estaria decerto cantando para minha mãe Queijo sem goiabada/ Assim sou eu sem você… eu não existo longe de você/ E a solidão é o meu pior castigo…
Que bonito. Que belo exemplo tens nos teus pais. Todos os amores deviam ser assim. Só é AMOR se for assim.
ResponderEliminarParabéns pelo teu dom da escrita.
ResponderEliminarAdoro ler as tuas mensagens. E esta tocou-me de um modo especial.
Lembrei-me logo do meu avó paterno que me observa, lá de onde ele está, a já algum tempo.
Beijinhos
Obrigada, patxocas!
ResponderEliminarÉ de facto um óptimo exemplo, Belém, mas acho que não há dois amores iguais :))
ResponderEliminarhoje vou abrir uma lata de goiabada e pensar nos teus pais (mesmo sem nunca os ter conhecido)
ResponderEliminarÉs uma linda, Joana, bonita homenagem :))
ResponderEliminarAdoro ler o que escreves, fazes-me sentir bem e emocionada... Transmites tão bem o que sentes, e o que os teus pais sentiam um pelo outro. E ainda tiveram a sorte de te ter a ti...
ResponderEliminarJinhos!
Lindo L.!! Estou contigo, nao ha dois amores iguais...mas que os ha especiais, isso ha!
ResponderEliminarBeijos