Sempre conheci o meu pai de bigode embora as fotografias atestem que nem sempre assim foi. Não tenho memória desse tempo e, mesmo quando dele me lembro, o meu pai está claramente ostentando a sua volumosa bigodaça no álbum das minhas memórias.
Quando a partir de certa altura os indefectíveis bigodudos começaram a abandonar as suas pilosidades aos cuidados devastadores dos barbeiros, senti que a alvorada de uma nova moda se estava aproximando. Agradeço a meu pai ter com ele aprendido que não devemos nunca sucumbir de imediato a uma moda, correndo o risco de não nos reconhecermos no espelho ou perante o outro e de nos tornarmos tão uniformizados e standardizados que mais não somos que aquilo que todos os outros são, sem o serem também, visto que na globalização se dilui irrecuperavelmente a essência do ser. Pois, enquanto os homens abandonavam o seu bigode, agora motivo de chacota e risada, muitas vezes o dito comparado com algum desdém aos machos magrebinos, o meu querido pai manteve fielmente o seu. Não me lembro sequer de o ter sentido alvitrar a hipótese de dele se desfazer. Acho bem. Devemos sempre fazer aquilo que nos faz sentir quem somos e não quem os outros querem que sejamos. Tal como o cabelo, o bigode era farfalhudo e teimoso. Tal como o cabelo fui eu que lho aparei das últimas vezes antes da partida. Espero que tenha agradado lá em cima. Acredito que a minha avó ter-lhe-á dito “Que lindo continua o teu cabelo, Fernandinho, mas esse bigode…” atirando-lhe um certo ar reprovador. O meu pai poder-lhe-á ter retorquido “Não gosta? Foi a sua neta que mo cortou…” Enquanto efabulamos os espaços em branco da ausência de quem amamos, aligeira-se-nos a saudade.
Certo dia, sendo eu púbere mas batendo violentamente às portas da adolescência e também por haver visto na minha mãe aquela prática, decidi que havia de tirar umas míseras pilosidades no lábio superior. Não que se notassem à distância. Acredito mais que aquele fosse um ritual iniciático na minha passagem para uma outra idade, uma afirmação peremptória do abandono da infância. Nesse mesmo tempo não havia tiras de cera fria nem tiras de coisa alguma que não fosse cera quente, bem quente, levada quase ao ponto de fervura num canequito de metal. Com uma toalha de rosto à minha frente para que eventuais pingos de cera não danificassem a roupa e na casa de banho, a minha mãe iniciou cuidadosamente a extirpação do buço. Estava calma, ainda que um pouco atabafada com os calores da cera. De repente, a minha mãe puxou de uma só vez, como mandam os requisitos, a primeira tira de cera. Gritei alto, bem alto, MUITO ALTO, iniciando uma corrida pelo corredor acompanhada de queixumes vários. O pior foi quando me neguei, entre choros e lamúrias, a que a segunda tira fosse removida. O meu pai andava lá por casa e mediante a gritaria apenas retorquiu em tom jocoso “Deixa lá, Luisinha, se depois ela ficar com uma bigodaça como a minha que não se venha queixar…” Lá diz o povo, contra factos não há argumentos e, portanto, perante a possibilidade de também eu ser portadora tamanha bigodaça, digna de atracção circense, deixei conformada que a minha mãe me removesse em definitivo o quase inexistente buço.
Quando a partir de certa altura os indefectíveis bigodudos começaram a abandonar as suas pilosidades aos cuidados devastadores dos barbeiros, senti que a alvorada de uma nova moda se estava aproximando. Agradeço a meu pai ter com ele aprendido que não devemos nunca sucumbir de imediato a uma moda, correndo o risco de não nos reconhecermos no espelho ou perante o outro e de nos tornarmos tão uniformizados e standardizados que mais não somos que aquilo que todos os outros são, sem o serem também, visto que na globalização se dilui irrecuperavelmente a essência do ser. Pois, enquanto os homens abandonavam o seu bigode, agora motivo de chacota e risada, muitas vezes o dito comparado com algum desdém aos machos magrebinos, o meu querido pai manteve fielmente o seu. Não me lembro sequer de o ter sentido alvitrar a hipótese de dele se desfazer. Acho bem. Devemos sempre fazer aquilo que nos faz sentir quem somos e não quem os outros querem que sejamos. Tal como o cabelo, o bigode era farfalhudo e teimoso. Tal como o cabelo fui eu que lho aparei das últimas vezes antes da partida. Espero que tenha agradado lá em cima. Acredito que a minha avó ter-lhe-á dito “Que lindo continua o teu cabelo, Fernandinho, mas esse bigode…” atirando-lhe um certo ar reprovador. O meu pai poder-lhe-á ter retorquido “Não gosta? Foi a sua neta que mo cortou…” Enquanto efabulamos os espaços em branco da ausência de quem amamos, aligeira-se-nos a saudade.
Certo dia, sendo eu púbere mas batendo violentamente às portas da adolescência e também por haver visto na minha mãe aquela prática, decidi que havia de tirar umas míseras pilosidades no lábio superior. Não que se notassem à distância. Acredito mais que aquele fosse um ritual iniciático na minha passagem para uma outra idade, uma afirmação peremptória do abandono da infância. Nesse mesmo tempo não havia tiras de cera fria nem tiras de coisa alguma que não fosse cera quente, bem quente, levada quase ao ponto de fervura num canequito de metal. Com uma toalha de rosto à minha frente para que eventuais pingos de cera não danificassem a roupa e na casa de banho, a minha mãe iniciou cuidadosamente a extirpação do buço. Estava calma, ainda que um pouco atabafada com os calores da cera. De repente, a minha mãe puxou de uma só vez, como mandam os requisitos, a primeira tira de cera. Gritei alto, bem alto, MUITO ALTO, iniciando uma corrida pelo corredor acompanhada de queixumes vários. O pior foi quando me neguei, entre choros e lamúrias, a que a segunda tira fosse removida. O meu pai andava lá por casa e mediante a gritaria apenas retorquiu em tom jocoso “Deixa lá, Luisinha, se depois ela ficar com uma bigodaça como a minha que não se venha queixar…” Lá diz o povo, contra factos não há argumentos e, portanto, perante a possibilidade de também eu ser portadora tamanha bigodaça, digna de atracção circense, deixei conformada que a minha mãe me removesse em definitivo o quase inexistente buço.
E porque será que nós, mulheres, só podemos ser bonitas a sofrer dessa maneira? Depilação a cera não é nada simpática...mas imaginam-se a aparecer de saia ou na praia sem a depilação feita? Eu não...mas dói que se farta!!
ResponderEliminar:-) O meu papá também usa bigode. Quando eu tinha um ano ou ano e pouco, decidiu tirá-lo. Grande asneira, eu não o reconhecia e ele foi "obrigado" a deixá-lo crescer novamente. Desde aí nunca mais o tirou ;-)
ResponderEliminarQue aventura, L! :o)
ResponderEliminarO meu pai também usou bigode, tinha eu 3 ou 4 anos. Só me lembro de ver nas fotos, felizmente, porque ficava tão estranho!! :op
E que verdade tão grande... - "Devemos sempre fazer aquilo que nos faz sentir quem somos e não quem os outros querem que sejamos"
lol!!! Gostei da historia da cera!!
ResponderEliminarO meu pai nunca teve bigode...e eu nunca gostei de homens peludos;)
Mas lembro-me do Raimundo, outro que nao sendo pai, muitas vezes o foi, tirar o bigode, teria eu uns 7 anos, numas memoraveis ferias no baleal! Eu e a Guida, a verdadeira filha do meu falso pai...amigas inseparaveis desde muito cedo e propensas a interminaveis ataques de riso...quase fomos castigadas por nao mais parar de rir!