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quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Subidas e descidas

É impressionante o que pode acontecer no decurso de um momento tão fugaz como uma mera descida e subida de umas quaisquer escadas da vida. Quando o H. subiu as escadas do hospital e sem que tivéssemos dado conta disso, a nossa vida tinha-se alterado para sempre e a tua vida, meu pai, tinha partido para um outro lugar, agrada-me assim pensar. E depois, foi ligar à funerária, e depois foi ligar aos amigos entre soluços e palavras de aceitação da tua partida, e depois foi o aprontar dos pormenores, mórbidos aos olhos dos outros, o pensar e o dizer “O papá não ia gostar disto assim….” “O papá não ligava para essas coisas, já sabes…”, “Não, não queremos sino. Não, não queremos a urna aberta. Não, nada que seja muito brilhante. O papá ia detestar esses dourados” e depois veio o diácono e contrariou tudo o que o meu pai iria gostar sem que contra isso algo pudessemos fazer. Acredito que caso lhe tivesse sido permitido, o meu pai ter-nos-ia dito “Olha lá, não me arranjavam nada melhor? Era um reaccionário de alto coturno! A dizer às pessoas que tinham de ir à missa ao domingo... e que a culpa era da televisão. Eu só me admiro como há pessoas que ainda pensam assim. Santo Deus! E depois admiram-se das igrejas estarem vazias... ainda estive para lhe responder...” e depois foi ir para casa, depois foi arrumar os despojos de todos nós que ficaram espalhados pela sala, pelo quarto, e depois foi regar constantemente o bouquet da tua memória com as lágrimas da nossa saudade, da tua falta em mim e em nós e depois foi passar estes dois meses a tentar levar isto a que se chama vida para a frente e a tropeçar permanentemente nos socalcos da tua ausência.

3 comentários:

  1. Minha querida Leonor, não posso dizer mais que mandar-te mtos beijos e abraços apertados...

    E raispartam esses diáconos e afins que dispõem da nossa vida e morte como se delas fossem donos...

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  2. Beijinhos grandes para ti, nimha linda.
    Pois o diácono foi mesmo assim. Eu só pensava no que o meu pai diria... O padre que cá estava era do piorio mas felizmente tinha ido embora no dia anterior e o diácono, enfim, lá tinha de vender o peixe dele. O meu pai quando o apanhar lá em cima faz-lhe umas perguntitas ;-)

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  3. Querida Leonor, por muito que te custe acreditar, o passar do tempo acaba mesmo por amainar a dor. Nao fica mais pequena, nunca vai embora...mas como que esmorece e fica menos a flor da pele. Demora, mas acontece. Como quando estamos na praia deitados ao sol e nos deixamos levar pelo calor para aquele estado de semi-incosciencia em que somos e nao somos. Fica mais ou menos assim a nossa dor. Esta sempre presente, ainda nos aperta o coracao as vezes, mas aos poucos e poucos deixa-nos olhar outra vez o mundo sem estarmos sempre a pensar no que nos falta!
    Quanto aos diaconos...eles que digam o que quiserem, porque nos e os que partiram sabemos bem o que somos e o que gostariamos...o que interessa o resto?
    Vou-te contar o que aconteceu no velorio do meu pai. As lagrimas misturaram-se com as gargalhadas sonoras das historias dos amigos. Choramos de saudades, choramos de dor mas tambem choramos de tanto rir. De tal maneira que tivemos de sofrer olhares reprovadores de pessoas que na verdade nao podiam conhecer bem o meu pai. Na altura com apenas 18 anos, senti que talvez estivesse a fazer algo errado por tambem rir, mas hoje, tenho a certeza que demos ao meu pai a melhor das homenagens. Porque seria assim que ele teria gostado, porque ele seria o que se riria mais alto se la estivesse. Porque ao lembrarmos estorias antigas e palhacadas sempre presentes, lembramos o meu pai como ele era.
    Beijos

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