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domingo, 4 de dezembro de 2005

Couves e ovos

Mais um texto do fundo do baú...

Se julgam que há muita vantagem em ser-se filho único, desenganem-se. É-se o alvo preferido de remoques constantes quanto ao famoso egoísmo, reconhecido mimo e consumo excessivo de atenção, o que pode tornar-se irritante e revelar-se amiúde injusto. Nasci filha única e filha única fiquei.
A minha mãe sempre foi dada à matemática e raciocinava à velocidade da luz, esperando sempre que o receptor de suas mensagens fosse tão rápido no pensar quanto ela. Um dia, estando eu de saída, enumerou-me uma infinita colecção de conjuntos com os seguintes elementos: couves, ovos e peixe. Formou, partindo dali, infindáveis conjuntos de intersecção, fazendo-me relembrar a disciplina do meu descontentamento: a matemática.
Questionava-me sem cessar “olha, queres um ovo e peixe, ou peixe e dois ovos, ou dois peixes e dois ovos, ou couve e dois peixes, ou um peixe e couve, ou duas couves e dois peixes, ou um ovo, couve e peixe, ou dois peixes, um ovo e couves, ou peixe sem mais nada?” E, enquanto me via a braços com maillots, meias, collants e todo o tipo de acessórios para a prática do desporto da moda, atirei com um “sim, sim. Pode ser...” pondo um ponto final àqueles malfadados conjuntos matemáticos que tanto me tinham moído a cabeça em criança e que agora mulher adulta, quando julgava ter-me visto, finalmente, livre deles, tinham voltado em força e por atacado.
Após ter excretado os fluidos regulamentares, dando saltos e pulos ao som de música estridente, exercitando o corpinho, regressei ao pátrio lar para a convencional janta. Hoje penso até que minha mãe terá julgado que a sua menina, filhinha única, egoísta e embirrenta, tinha corpinho de baleia em vez de corpinho de sereia, pois quando destapei o recipiente de metal onde repousava, na minha imaginação, um delicioso jantar, deparei-me com dois belos ovos, já descascados. Estão a ver como ser filho único é bom? E a acompanhar os ovos, não fossem os pobres sofrer de solidão aguda, estava um montito de encarquilhadas couves esverdeadas, vegetais pelos quais não nutro até hoje a menor simpatia.
Perante o meu pasmo, a minha mãe, peremptória, retorquiu: “Foi o que disseste que querias!” E quando meu pai se abeirou, curioso, do prazenteiro tacho, afirmou intrigado: “ Ai não gostas de couves? Então que é que comes na Noite de Natal?”
Três décadas haviam passado e ali estava eu, filha única de pai e mãe. De uma mãe que me ofereceu um opíparo jantar de couves e ovos, delícia de qualquer vegetariano, mas não a minha, e de um pai que, após três décadas de ceias de Natal em comum, cujo número de comensais não chegou nunca a ultrapassar a dúzia para acabar no número sagrado de três, desconhecia que a sua filhinha única, estragadinha, mimadinha, egoísta e caprichosa, detestava aqueles vegetais verdes acompanhantes do suculento bacalhau em véspera de Natal: couves.

4 comentários:

  1. Bela janta anh....especialmente a seguir a uma aula de ginástica! É assim....os teus país são uns injustos....aliás, toda a gente já tinha percebido aqui pela leitura do teu blog;))

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  2. lol
    Nem imaginas a risada que foi...

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  3. ja o Julio Cesar falava das brassicae, se nao acreditas em mim vai ver o Asterix na Belgica

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  4. Deve ser problema das filhas únicas, não gostar de couves... :o)
    Mas como eu sou tão esquisitinha, o difícil é encontrar as coisas que eu gosto....

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