Apesar de todas as polémicas em torno da profissão docente, continuo a gostar de ser professora. Deve traçar-se claramente uma linha entre o desânimo e o desrespeito a que estamos, regra geral, sujeitos pela sociedade civil e tudo o que se passa dentro da sala de aula. Não admito pois que sejam apontados os factores externos à relação pedagógica entre professores e alunos como motivo para se abandalhar o sistema. Certo é que o desgaste é intenso e que, ao longo do ano, se acumula e apodera de nós um cansaço violento. Foi pelos meus alunos também que ergui a cabeça neste ano lectivo e foi por eles que evitei faltar e tentei cumprir sempre o melhor que pude. Ser professor é dar de si sem esperar receber em troca.
Gosto de uma certa inocência que os adolescentes têm nestes momentos das suas vidas, preocupa-me, porém, o abandono a que estão sujeitos pelas próprias famílias e confesso que a primeira coisa que me ocorreu, quando se tornou público que a avaliação dos professores iria também incluir o parecer dos Encarregados de Educação, foi que poderíamos também nós, professores, avaliar o desempenho das famílias na sua tarefa educativa e formativa. Ganharíamos todos com isso, principalmente os alunos. Acredito que, dessa forma, e se cada um se compenetrasse da miríade de factores implícitos na tarefa de educar e formar jovens, um melhor contributo seria prestado. Duvido, porém, da transparência deste processo: bons e maus profissionais existem em todo lado, o ensino não é excepção, sabido é que os pais querem apenas bons resultados, contam-se pelos dedos de uma mão os que se deslocam à escola para se inteirar da situação do seu educando e, muitas vezes, nem solicitados por carta aparecem, portanto, não estou particularmente optimista. Já vi futuros mais risonhos.
A J. é um bom exemplo. Vive sufocada pela mãe que aparenta uma pobreza inexistente. Um dia, em pleno teste, começou a chorar. Depois de conversarmos, cheguei à conclusão que não pudera estudar como gostaria de ter feito porque a mãe lhe moera o juízo na tarde que ela tinha reservado para o efeito. Quando há jantares de turma ou visitas de estudo, a J. nem se manifesta, diz apenas que não vai, e isto porque a mãe se recusa a dar-lhe o dinheiro necessário, pouco, entenda-se, e não contente com isso, diz-lhe que o pai é este, aquele e aqueloutro, porque não lhe dá pensão de alimentos e não quer saber dela. A J. não se queixa. Deixa soltar palavras aqui e ali, desabafos dispersos geralmente no fim das aulas, enquanto se apaga o quadro e se arrumam os livros e cadernos. Na verdade, carrego isto comigo, a impotência perante a vida desta garota, o sofrimento quase imperceptível que traz consigo, velado, calado, silencioso, mas que aprendi a reconhecer. Digo-lhes, digo-lhe, claro, que nem todos têm/temos de ser felizes da mesma maneira, que as famílias são diferentes, tal como as pessoas, que um dia encontrarão o seu caminho. Espero que a J. o consiga fazer com a independência suficiente da mãe que lhe amargura os dias e do pai que lhe ignora a existência.
Hoje a J. abeirou-se de mim para lhe corrigir um texto que acabara de redigir que, na por vezes labiríntica língua alemã, tinha um sujeito a mais: es. É inteligente e boa aluna, também muito teimosa e raramente se deixa convencer à primeira. Expliquei-lhe umas duas ou três vezes que não, não podia ser, por que é que não estava bem, que aquele es estava a mais. Pensou e repensou, acabando por afirmar, depois da reflexão necessária então, quer dizer que este es vai com os porcos? riscando com o lápis o es excedentário. Que tudo fosse tão fácil nas nossas vidas. Na dela também.
imagem: Goscinny & Sempé, Neues vom kleinen Nick.
Gosto de uma certa inocência que os adolescentes têm nestes momentos das suas vidas, preocupa-me, porém, o abandono a que estão sujeitos pelas próprias famílias e confesso que a primeira coisa que me ocorreu, quando se tornou público que a avaliação dos professores iria também incluir o parecer dos Encarregados de Educação, foi que poderíamos também nós, professores, avaliar o desempenho das famílias na sua tarefa educativa e formativa. Ganharíamos todos com isso, principalmente os alunos. Acredito que, dessa forma, e se cada um se compenetrasse da miríade de factores implícitos na tarefa de educar e formar jovens, um melhor contributo seria prestado. Duvido, porém, da transparência deste processo: bons e maus profissionais existem em todo lado, o ensino não é excepção, sabido é que os pais querem apenas bons resultados, contam-se pelos dedos de uma mão os que se deslocam à escola para se inteirar da situação do seu educando e, muitas vezes, nem solicitados por carta aparecem, portanto, não estou particularmente optimista. Já vi futuros mais risonhos.
A J. é um bom exemplo. Vive sufocada pela mãe que aparenta uma pobreza inexistente. Um dia, em pleno teste, começou a chorar. Depois de conversarmos, cheguei à conclusão que não pudera estudar como gostaria de ter feito porque a mãe lhe moera o juízo na tarde que ela tinha reservado para o efeito. Quando há jantares de turma ou visitas de estudo, a J. nem se manifesta, diz apenas que não vai, e isto porque a mãe se recusa a dar-lhe o dinheiro necessário, pouco, entenda-se, e não contente com isso, diz-lhe que o pai é este, aquele e aqueloutro, porque não lhe dá pensão de alimentos e não quer saber dela. A J. não se queixa. Deixa soltar palavras aqui e ali, desabafos dispersos geralmente no fim das aulas, enquanto se apaga o quadro e se arrumam os livros e cadernos. Na verdade, carrego isto comigo, a impotência perante a vida desta garota, o sofrimento quase imperceptível que traz consigo, velado, calado, silencioso, mas que aprendi a reconhecer. Digo-lhes, digo-lhe, claro, que nem todos têm/temos de ser felizes da mesma maneira, que as famílias são diferentes, tal como as pessoas, que um dia encontrarão o seu caminho. Espero que a J. o consiga fazer com a independência suficiente da mãe que lhe amargura os dias e do pai que lhe ignora a existência.
Hoje a J. abeirou-se de mim para lhe corrigir um texto que acabara de redigir que, na por vezes labiríntica língua alemã, tinha um sujeito a mais: es. É inteligente e boa aluna, também muito teimosa e raramente se deixa convencer à primeira. Expliquei-lhe umas duas ou três vezes que não, não podia ser, por que é que não estava bem, que aquele es estava a mais. Pensou e repensou, acabando por afirmar, depois da reflexão necessária então, quer dizer que este es vai com os porcos? riscando com o lápis o es excedentário. Que tudo fosse tão fácil nas nossas vidas. Na dela também.
imagem: Goscinny & Sempé, Neues vom kleinen Nick.
Os teus alunos terem-te a ti, já é algo que lhes torna a vida melhor. E tu fazes o que podes, e muito mais do que quem tinha esse dever. Deves ser muito orgulhosa de ti própria.
ResponderEliminarBeijos
Faz-me sempre muita tristeza ler historias como a da J., ninguem se apercebe do sofrimento das meninas bem comportadas...
ResponderEliminarObrigada Fantasma :)
ResponderEliminarFaço o melhor que posso, nem sempre o melhor que sei.
Joana, o "problema" desta minha aluna acompanha-me. Já estive para comprar um livro só para lho emprestar, porque é lógico que a mãe não lhe compra esse tipo de coisas... É difícil porque não há muito que possamos fazer, apenas estar disponível para a ouvir quando ela quer/precisa. O que me incomóda é que a miúda poderia ir mais longe e inclusivamente ter outras ajudas, se a mãe não fosse como é.
Bjs às duas