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quinta-feira, 20 de julho de 2006

Língua magiar

Já passava de uma quando fui para a cama nu, religuei a tevê, e a mesma mulher da meia-noite, uma loura com maquilagem pesada, apresentava uma reprise do jornal anterior. Percebi que era uma reprise porque já tinha reparado na camponesa de rosto largo que encarava a câmera com os olhos saltados, empunhando um repolho do tamanho da sua cabeça. Balançava ao mesmo tempo a cabeça e o repolho para cima e para baixo, e falava sem dar trégua ao repórter. E espetava os dedos no repolho, e chorava, e esganiçava a voz, e tinha o rosto cada vez mais vermelho e inflado, e enterrava os dez dedos no repolho, e agora meus ombros se retesavam não pelo que eu via, mas no afã de captar ao menos uma palavra. Palavra? Sem a mínima noção do aspecto, da estrutura, do corpo mesmo das palavras, eu não tinha como saber onde cada palavra começava ou até onde ia. Era impossível destacar uma palavra da outra, seria como pretender cortar um rio a faca. Aos meus ouvidos o húngaro poderia ser mesmo uma língua sem emendas, não constituída de palavras, mas que se desse a conhecer só por inteiro.
Chico Buarque, Budapeste.

Para o Avenalve as inquietações da língua magiar.

7 comentários:

  1. Gosto da palavra magiar.
    Não sei porquê :)

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  2. Também eu. Será porque a sonoridade da palavra tem algo de mágico? Desde que li o Budapeste deixou de existir o húngaro como língua e foi substituído por língua magiar.

    Budapeste é uma das minhas cidades no top das próximas a visitar ;-)

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  3. Pois olha que me desiludiu bastante.
    Em cada rua há 2/3 MacDonalds, Pizza Huts, e Burger Kings.
    Só se safa a parte história, que nem é mto grande...

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  4. MacDonalds é sempre bom!! :)

    Talvez seja a magia, sim... É o verbo. Eu magio, tu magias, ele magia...
    Vamos magiar?? ;)

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  5. Ao ler o teu post me deu vontade de rever um DVD com o Chico Buarque, de uma série de nove programas de TV com retrospectiva de sua obra e com entrevistas com o próprio. Neste o tema era "Uma Palavra", sobre a relação entre música e literatura. Foi gravado em Lisboa, Paris e Budapest. Começa com Chico tomando o elétrico nº 28 na Baixa, ao som de "Fado Tropical", descendo no Chiado, lendo Fernando Pessoa n' "A Brasileira" (Dobrada à modo do Porto, de Álvaro Campos), flanando pelas ruas do Bairro Alto, pelos mirantes, depois Alfama, Castelo de São Jorge. Depois, tendo por fundo a Torre de Belém, começa a contar como é o seu processo de criação. Este trecho do DVD trouxe-me boas recordações de Lisboa.
    Depois Chico aparece a bordo do avião que o levou a Budapest para lançar a edição húngara do livro. É visível a sua ansiedade, visitar uma cidade pela primeira vez e na qual se atreveu a usá-la como cenário para um livro. Passeia por Buda (e Pest) e fala sobre erros e acertos como a marca de cigarros que o personagem fuma, que não existe há mais de vinte anos, como o jornal que ele lê num domingo, que não circula aos domingos e a rua Toth que existe realmente...E a paisagem de Budapest convidam a uma visita. Assim como Praga ela também está na lista das cidades que pretendo visitar um dia.
    E o MacDonald está por toda a parte. No Porto, ao passar pela rua dos Aliados vi que o MacDonald oferecia sopas(!) no cardápio. Fiquei tentado a experimentá-las, mas a minha filha não me permitiu. Os filhos às vezes são tiranos..

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  6. É muito engraçada essa história do Chico Buarque, já tinha ouvido que ele nunca tinha estado em Budapeste, mas acho o livro tão bonito por causa desse divagar entre línguas, mulheres e cidades.
    Infelizmente McDonald´s há por todo lado, até na Praça Vermelha em Moscovo. Diga-se de passagem que em Londres até dá jeito, com os preços que por lá se praticam e a total inaptidão dos ingleses para as artes culinárias. Adoro a palavra cardápio, meu pai também usava muito.
    E si, filhos são cruéis mesmo ;-)
    Bjs

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