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terça-feira, 4 de julho de 2006

Viajar é olhar

Há textos que se nos agarram sem jamais conseguirmos vermo-nos livres deles. Este é um deles e, porque andei flanando por aqui, ele regressou em força, completando a experiência do viajar com a sensualidade paulatina que a cidade, por si mesma, oferece. Vez alguma me lembro de Roma sem que me ocorra, à velocidade das imagens, a tranquilidade destas palavras:

Uma das pessoas que me ensinou a viajar foi a minha mãe. Ensinou-mo com uma simples frase. A única vez que viajámos juntos, fomos a Roma.
Estávamos sentados uma tarde na Piazza Navona, o seu local preferido de Roma. Ela bebia um dos seus inúmeros chás diários e há mais de uma hora que ali estávamos, sentados a contemplar a beleza perfeita da praça, enquanto fumávamos vários cigarros - ainda o mundo não era o que é hoje, uma quinta de virtudes ditadas pelos americanos. Nenhuma ideia de viagem, para mim, pode prescindir de praças, terraços, varandas, esplanadas, nem que seja um simples monte de areia em pleno deserto. Mas estávamos ali há demasiado tempo, era a primeira vez que vinha a Roma e tinha logicamente, alguma pressa de seguir caminho e ir ver outras coisas. Sentindo a minha impaciência, a minha mãe disse-me: "Miguel, viajar é olhar." Até hoje, fiquei sempre cativo desta frase e do que ela implica e compromete o verdadeiro viajante. Tal como a minha mãe escreveu algures, só o olhar não mente, porque todo o real é verdadeiro.

Miguel Sousa Tavares, Sul

Foto: minha
Piazza Navona, Roma 2006

10 comentários:

  1. Não gosto do amigo Miguel, mas gostei do texto :)

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  2. Pois, ando para escrever um texto sobre os escritores. Também não gosto da imagem que ele criou de si próprio, mas gosto muito da escrita dele, tem um apaziguamento e uma sensibilidade que me encanta. Bjs

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  3. É... Viajar é olhar e encher os olhos do mundo! Gostei tanto do texto!... Obrigada pela partilha *

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  4. Sabes que eu sou A pessoa que não leu o Equador e se recusa terminantemente a fazê-lo :)

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  5. Mas eu e o Equador não somos propriamente amigos. Levei uns dois anos até conseguir lê-lo. O meu é a 1ª edição, a que tem uns 120 erros históricos ao que li algures. Acho que ele escreve bem e descreve bem São Tomé mas parece-me a transposição do tempo presente para aquela acção no passado. Não fiquei apaixonada pelas personagens nem pela acção. Gosto mais do Sul e de um de crónicas Não te deixarei morrer, David Crockett.

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  6. Apesar de ainda não ter lido nada dêle, já me identifiquei com a sua (dele) mãe. Nada melhor do que ficar sentado em um café ou bar olhando o mundo passar. Eu sou um "flaneur" doente. Em viagem costumo acordar e me levantar cedo (para ficar mais tempo sem fazer nada..), apanhar um ônibus ou metrô para um determinado local e de lá voltar a pé, observando as ruas, as pessoas, a vida, enfim.

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  7. E essa é a melhor forma de viajar. Ver, parar, observar, sentir.

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  8. P-E-R-F-E-I-T-O

    Gosto muito da escrita desse senhor. Mais em crónica do que em romance. E também não desgosto do senhor. Confesso. Arrogante, mas com o seu "quê"...

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  9. Já conhecia essa frase, de quando li o Sul, e adorei na altura a descrição que ele fez.

    Aliás, o Sul é um daqueles livros que me conseguiu olhar para as viagens no hemisfério sul com outros olhos. Sempre fui mais fã do norte, mas as peripécias por que ele passa, as descrições que faz deixam-nos mesmo com vontade de lá ir.

    E ainda tenho o Equador em TBR... :s

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  10. Ele até pode ser bom escritor, mas dificilmente chegará aos calcanhares da mãe. Todos os comentários a este texto falam da sua bela frase, mas o protagonismo ficou todo para o filho. Ela é que foi uma grande escritora/poetisa, ela é que proferiu essa frase. "Ela" ou a "mãe", como é tratada, chamas-e Sophia de Mello Breyner Andersen! Sabiam...?

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