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domingo, 27 de setembro de 2009

Chiado, Tejo e tudo (6)

Adentrando a alma


E para melhor conhecer o Chiado há que deixar a Rua Garrett e adentrar as ruelas estreitas coroadas de vida entre estendais, flores e grinaldas alegres dos santos populares, coloridas com conversas inconsequentes à porta de casa, um pé na estrada, outro no passeio. Em três meses estava operada à barriga atira uma mulher rotunda a um homem com quem cruzava palavras. O tema tão comum neste fado lusitano, há sempre um achaque que nos consome a alma e apoquenta o corpo. Há quem lhe chame fado. E Lisboa assemelha-se então a uma aldeia longínqua divorciada do cosmopolitismo da urbe.
Num passeio fugaz pelo Largo do Carmo, lugar obrigatório e palco primordial da metamorfose política e social de Portugal a 25 de Abril de 1974, confirmo a idiossincrasia do largo. Relativamente pequeno, protegido pelos jacarandás e coroado por um chafariz, o Largo do Carmo oferece simultaneamente lazer e interesse turístico: anciãos jogam xadrez numa mesa de pedra enquanto turistas louros e alvos se deixam retratar por um pintor de ocasião com as obras penduradas pelo quiosque a um canto da praça. Do lado lateral o caminho estreito para mais uma vista sublime de Lisboa. Vale a pena. E continuo rua acima. O perfume a libertar-se dos fogareiros artesanais, agora mais intenso com o aroma da sardinha assada, não há Lisboa nem Chiado sem elas, e o odor carregado dos alfarrabistas.
Do outro lado da rua, o Solar do Vinho do Porto, a hora propícia para o néctar dos néctares, viscoso e aromático, mais abaixo o Cine Theatro Gymnasio oferece Fado aos turistas, obrigatório neste ou noutro lugar para quem quiser experimentar a alma lusa.

 (continua)

5 comentários:

  1. Que vontade de voltar a Lisboa! Por ora vou te seguindo nessas deliciosas descrições e fotografias. Por enquanto, só me resta acompanhar o teu percurso com o homenzinho amarelo do Google Maps.

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  2. Olho-te a ti Lisboa, amiga
    Sob um sol translúcido, brilhando
    No capot de um carro ou mesmo
    Naquele velho carrinho de compras
    Onde alguém dorme

    Lisboa, a minha casa, a
    Mãe de poetas, actores, pensadores, revoluções,
    Revolucionários, a mãe de sonhadores
    Solitários.

    Mas não deixas de ser tu, Lisboa,
    A mãe extremosa que embala os
    Filhos e depois parte com os céus
    Nos olhos para a vida boémia do
    Bairro Alto

    Mas não deixas de ser tu, Lisboa
    Dos ricos e dos pobres, dos ignorantes e
    Dos Doutos em coisa nenhuma.
    A Lisboa que voa, qual gaivota errante,
    A Lisboa que grita, por mil vozes:
    “Senhora, que os salários são baixos...”

    A Lisboa sobre o Tejo, sobre os barcos
    Sobre os boémios à deriva nas Docas
    Mas és, sobretudo, os barcos de pescadores, que Em vez
    Da faina de outras eras, trazem apenas a brisa marítima.
    E tristeza nos olhos.

    A Lisboa do Camões (Ah Sim!
    Aquele que em vez de se perder em ti, Lisboa,
    resolveu ficar zarolho em Ceuta! Acreditas nisto, Lisboa? Acreditas?)

    A Lisboa do Pessoa (ou do Álvaro de Campos, ou do Alberto Caeiro,
    Ou do Ricardo Reis, ou de quem quer que fosse que o Pessoa criasse...)

    A Lisboa de uma infinita peça que intercala epopeias monumentais
    E momentos mortos ( a estrear no Politeama, dia de S.Nunca à tarde,
    Com um elenco Invejável – não faço a mais pequena ideia quem são
    Os actores, mas se assim o dizem- o elenco é invejável)

    A Lisboa da vida, da morte,
    Do amor dos apaixonados
    Do ódio dos artistas incompreendidos que, em ti,
    Lisboa, tentam vingar uma arte
    Que não vinga (Será que eles não sabem que o mar de oportunidades raras,
    Mas que existem, é notros países? Espanha, Estados Unidos da América, Inglaterra...)

    Mas serás sempre tu, Lisboa,
    Uma identidade própria que inebria o
    Menos sensível dos corações.
    Serás sempre Lisboa,
    A terra dos Sonhos
    E das ilusões.

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  3. Toda a cidade flutua
    No mar da minha canção
    Passeiam na rua, retalhos de lua
    Que caem do meu balão

    Deixei Lisboa folgar
    Não há mal que me arrefeça
    A rir, a cantar, cabeça no ar
    Que eu hoje perco a cabeça

    Lisboa nasceu, pertinho do céu
    Toda embalada na fé
    Lavou-se no rio, ai ai ai menina
    Foi baptizada na Sé !

    Já se fez mulher e hoje o que ela quer
    É bailar e dar ao pé
    Vaidosa varina, ai ai ai menina
    Mas que linda que ela é!

    Dizem que eu velhinha sou
    Há oito séculos nascida
    Nessa é que eu não vou, por mim não passou
    Nem a morte nem a vida

    O Pagem me fez um fado
    De novo ali me leu a sina
    Não ter namorado, amor nem cuidado
    E ficar sempre menina!

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  4. Assim, sim. :D
    Perfumadas são estas crónicas, Leonor. :)

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  5. É um aperitivo para voltar, Aventino, esperemos que desta vez o tempo seja seu amigo, que esse tempo português tem sido muito ingrato :-)

    Devia publicar estes seus poemas, Ana.

    Your wish is my command, Mike :)

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