De entre as várias coisas que
faço mal está em primeiro lugar, distanciada de todas as outras no pódio,
cortar pão. Eu esforço-me, não muito, é certo, que chegada a idade vetusta
posso dar-me ao luxo de não ter de provar que sim, com esforço, afinco, empenho,
vou lá. Anda, miúda, tu consegues! Não consigo. Não vou. Aquilo que eu costumo dizer aos meus alunos se precisasse de
uma prova morreria nas minhas mãos sempre que tenho de usar uma faca para
cortar pão. Há quem diga que deve ser cortado à mão. Eu concordo. Nada como
pegar num casqueiro morno e roubar-lhe um bocado deixando o miolo fumegante à
mostra para depois barrar com manteiga ou comer assim mesmo sem nada, se tiver
um copo de vinho na mão. E poupava-me a exibição desta total incapacidade.
Uma das outras coisas que também
faço mal é escrever sobre cinema. Totalmente ignorante de planos e outras características
ocultas das artes cinematográficas, limito-me a sentar-me, ouvir, ver, sentir.
Se o filme me agradar é um bom filme, se não, pode ser de um outro factor qualquer
mas pode ser também porque não gosto dele. Ando numa fase um bocado europeísta,
políticas à parte que às vezes mais valia fazermos parte da república do Kiribati,
mas o cinema americano anda a cansar-me um bocado. Tanta luz e brilho em
detrimento de uma outra perspectiva mais intimista com a qual me identifico
muito mais. Satura-me. Deve ser dos planos e isso, sendo que isso pode incluir algum
histerismo iminente que me irrita um bocado. Acresce a tudo isto ter começado
desde o ano passado a expor os meus alunos a filmes em alemão, mais, muito mais
do que em anos anteriores e perceber que cada vez mais são esses os flmes que
ficam. Sou fã incondicional do Adeus, Lenin!, d’ As Vidas dos Outros, caí de
amores recentemente pelo Almanya, infelizmente fora do circuito português. A
Onda e Die fetten Jahre sind vorbei são outros dois indispensáveis. E antes houve O Fabuloso Mundo de Amélie Poulain e Trainspotting e Quadrophenia e Billy Elliot e East is East.
Mas isto veio a propósito de dois filmes europeus que vi recentemente: Amigos Improváveis e O Exótico Hotel Marigold. Se não viram, não percam. O primeiro narra a amizade improvável entre dois homens, um tetraplégico e outro desvairado. O enredo aparentemente simples e lamechas é transformado numa ode aos afectos, à vida, em suma, e teve o condão de me atirar certeiro neste bicho que trago aqui escondido do lado esquerdo e que é responsável por neutralizações sucessivas do órgão pensante. O segundo é sobre a velhice, sobre o que eu acho que é vedado aos velhos, velhos sim, detesto esse eufemismo “idosos”, neste país: viver. Pegar em si e viver a sua vida e ser-lhes dado o direito ao sexo, rapioqueirice, prazer de viver. Neste último filme, homens e mulheres mostram-se como eu espero um dia ser, cheios de rugas, sem plásticas e outros artifícios com que se enganam apenas os míopes, mas sem deixar que a vida lhes passe ao lado. Viver intensamente. Sentir sempre. Que mais se pode esperar?
Mas isto veio a propósito de dois filmes europeus que vi recentemente: Amigos Improváveis e O Exótico Hotel Marigold. Se não viram, não percam. O primeiro narra a amizade improvável entre dois homens, um tetraplégico e outro desvairado. O enredo aparentemente simples e lamechas é transformado numa ode aos afectos, à vida, em suma, e teve o condão de me atirar certeiro neste bicho que trago aqui escondido do lado esquerdo e que é responsável por neutralizações sucessivas do órgão pensante. O segundo é sobre a velhice, sobre o que eu acho que é vedado aos velhos, velhos sim, detesto esse eufemismo “idosos”, neste país: viver. Pegar em si e viver a sua vida e ser-lhes dado o direito ao sexo, rapioqueirice, prazer de viver. Neste último filme, homens e mulheres mostram-se como eu espero um dia ser, cheios de rugas, sem plásticas e outros artifícios com que se enganam apenas os míopes, mas sem deixar que a vida lhes passe ao lado. Viver intensamente. Sentir sempre. Que mais se pode esperar?
E pronto, por hoje é só isto:
cortar pão e escrever sobre cinema.
Judi Dench
Um celebrérrimo (ai se os alunos vêem isto) crítico de vinhos inglês disse um dia "um bom vinho é aquele que me faz dar um salto na cadeira". Sou adepto da teoria que diz "onde está um bom vinho pode pôr-se o que quer que seja que se esteja a criticar".
ResponderEliminarJá quanto ao pão, nada a fazer: é à mão.
Os meus alunos não vêm aqui, Luís. Não sabem da existência deste blogue. O único que o descobriu já é adulto e está na faculdade.
EliminarObrigada :)
Bom Sábado.
Concordo plenamente, sobretudo o que diz respeito aos velhos. Deixem-nos viver a vida com as nossas rugas, uma dor aqui, outra ali... mas com alegria e força para "agarrar" o dia que amanhece.
ResponderEliminarVi alguns desses filmes mas Amigos Improváveis também me ficou no coração!
Beijinhos :)
E não conheço ninguém que agarre melhor o dia que amanhece, minha mãe :))))
EliminarMil beijocas neste dia especial :))))
Dois grandes filmes que me encheram as medidas. Cada vez prefiro mais o cinema europeu, e cada vez tenho menos paciência para o americano, normalmente cheio de gente de plástico.
ResponderEliminar(ah, e corto bem pão... :-D
São mesmo, Ana. Cada um à sua maneira, mas marcam :)
EliminarQuanto ao pão: Ana 1 - Leonor 0 :)
Beijinhos
VIVA!, mais outra alma que não sabe cortar pão!!!!! (Durante anos usei uma fiambreira aberta à espessura de fatias e era assim que eu cortava pão!! Agora... pois... perdi a vergonha e não estou nem aí se a coisa sai torta, esfarelada ou se vai à unha!)
ResponderEliminarEu sou uma desgraça também :))))) Não sei o que falha mas raramente uma fatia sai direita. Deve falhar o jeito mesmo.
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