O anel que hoje tenho no dedo foi-me oferecido pelo meu querido pai. Um dia, não muito longe, quando cheguei lá a casa pela hora do almoço, o meu pai estava relativamente irado. Cumprimentou-me de raspão, rápido, indiciando ter algo importante a tratar. Assim era. De rajada, olhando por cima dos óculos, como lhe era tão característico, logo munido com um dos seus inúmeros auxiliares de consulta e de lápis na mão, atirou-me sem espera Olhá lá, quem é que te ensinou a escrever bouquet com um acento circunflexo? ao que repliquei que nem um boomerang EEU? Em lado nenhum. Algum dia ia eu escrever bouquet com um acento circunflexo, Papá? e o boomerang de volta Ai isso é que escreveste!!! Está aqui no teu livro e mais uma volta do boomerang Ai está? Está onde? e ele de volta Está aqui algures… Vou procurar e eu já irritada Pois procura à tua vontade. Podes procurar o livro inteirinho! e debandei para a cozinha, após este acepipe linguístico, para cumprimentar a minha mãe, pois com o esgrimir de argumentos e palavras e, enquanto o boomerang da nossa discórdia não parava, não tinha sequer passado da ombreira da porta da sala. O meu pai lá ficou palmilhando o projecto de livro com rigor e método, resmungando consigo próprio, questionando-se mas onde é que eu vi isso? Mas lá que vi, vi e toca de dar mais uma reviravolta ao tal que havia de ser livro mas que se ficou apenas por manuscrito, perdido no limbo dos não publicados.O almoço não foi totalmente tranquilo sempre na senda do bouquet perdido, com o boomerang das palavras cá e lá. O meu pai procurando e dizendo, mas escreveste… hei-de encontrar! e eu refilando e protestando mas onde é que já se viu… então eu ia escrever bouquet com acento circunflexo, Papá? rematando convicta e segura Procura, procura, acrescentei Olha, pede à mamã, que aí no computador há uma maneira de procurar palavras no documento todo e parti para a capital, de emoções indefinidas, irritada com o raio do bouquet mas feliz por mais uma vez pegar no carro e rumar para a luz da cidade com o Tejo e o bulício que também tanta falta me fazem.
Algures pela tarde, enquanto me perdia no consumo, o telemóvel tocou. Era o meu pai e tinha notícias. Afinal eu não tinha escrito bouquet com acento circunflexo, acabara de o descobrir naquele preciso momento, auxiliado pela minha mãe e com o apoio da tecnologia. Gritei vitória, pois claro, e o meu pai também obviamente, rematando contudo que bouquet não tinha escrito com o famigerado acento mas tinha escrito bibelô, sim senhor, grafia que, embora constasse no actualizadíssimo Dicionário da Academia, não era reconhecida pelo guru da língua portuguesa da Primeiro de Maio, o meu querido e saudoso pai.
Exigi de imediato uma indemnização por difamação à minha pessoa, sim, onde é que já se viu EU escrever bouquet com circunflexo, Papá? e por isso trago hoje no dedo, com o maior carinho e amor do mundo, uma flor desse mesmo bouquet…. Ofereço as restantes a todos vós que me têm acarinhado tanto.
Querida L.
ResponderEliminarQue lindo texto, que lindo anel...
Não precisas de me oferecer flores, aa tuas palavras e a tua amizade longínqua (em espaço...só em espaço!!), são quanto baste.
Devo dizer que quando comecei a ler o texto até fiquei baralhada, porque não percebia sequer onde raio terias tu posto o circunflexo no bouquet;))
:)))Vocês merecem sim!
ResponderEliminarO meu dizia que eu tinha escrito bouquê, daí o acento circunflexo...
Mil beijos
Concordo com a Patricia em tudo :)
ResponderEliminarBjos