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quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Bouquet

O anel que hoje tenho no dedo foi-me oferecido pelo meu querido pai. Um dia, não muito longe, quando cheguei lá a casa pela hora do almoço, o meu pai estava relativamente irado. Cumprimentou-me de raspão, rápido, indiciando ter algo importante a tratar. Assim era. De rajada, olhando por cima dos óculos, como lhe era tão característico, logo munido com um dos seus inúmeros auxiliares de consulta e de lápis na mão, atirou-me sem espera Olhá lá, quem é que te ensinou a escrever bouquet com um acento circunflexo? ao que repliquei que nem um boomerang EEU? Em lado nenhum. Algum dia ia eu escrever bouquet com um acento circunflexo, Papá? e o boomerang de volta Ai isso é que escreveste!!! Está aqui no teu livro e mais uma volta do boomerang Ai está? Está onde? e ele de volta Está aqui algures… Vou procurar e eu já irritada Pois procura à tua vontade. Podes procurar o livro inteirinho! e debandei para a cozinha, após este acepipe linguístico, para cumprimentar a minha mãe, pois com o esgrimir de argumentos e palavras e, enquanto o boomerang da nossa discórdia não parava, não tinha sequer passado da ombreira da porta da sala. O meu pai lá ficou palmilhando o projecto de livro com rigor e método, resmungando consigo próprio, questionando-se mas onde é que eu vi isso? Mas lá que vi, vi e toca de dar mais uma reviravolta ao tal que havia de ser livro mas que se ficou apenas por manuscrito, perdido no limbo dos não publicados.
O almoço não foi totalmente tranquilo sempre na senda do bouquet perdido, com o boomerang das palavras cá e lá. O meu pai procurando e dizendo, mas escreveste… hei-de encontrar! e eu refilando e protestando mas onde é que já se viu… então eu ia escrever bouquet com acento circunflexo, Papá? rematando convicta e segura Procura, procura, acrescentei Olha, pede à mamã, que aí no computador há uma maneira de procurar palavras no documento todo e parti para a capital, de emoções indefinidas, irritada com o raio do bouquet mas feliz por mais uma vez pegar no carro e rumar para a luz da cidade com o Tejo e o bulício que também tanta falta me fazem.
Algures pela tarde, enquanto me perdia no consumo, o telemóvel tocou. Era o meu pai e tinha notícias. Afinal eu não tinha escrito bouquet com acento circunflexo, acabara de o descobrir naquele preciso momento, auxiliado pela minha mãe e com o apoio da tecnologia. Gritei vitória, pois claro, e o meu pai também obviamente, rematando contudo que bouquet não tinha escrito com o famigerado acento mas tinha escrito bibelô, sim senhor, grafia que, embora constasse no actualizadíssimo Dicionário da Academia, não era reconhecida pelo guru da língua portuguesa da Primeiro de Maio, o meu querido e saudoso pai.
Exigi de imediato uma indemnização por difamação à minha pessoa, sim, onde é que já se viu EU escrever bouquet com circunflexo, Papá? e por isso trago hoje no dedo, com o maior carinho e amor do mundo, uma flor desse mesmo bouquet…. Ofereço as restantes a todos vós que me têm acarinhado tanto.

3 comentários:

  1. Querida L.
    Que lindo texto, que lindo anel...
    Não precisas de me oferecer flores, aa tuas palavras e a tua amizade longínqua (em espaço...só em espaço!!), são quanto baste.

    Devo dizer que quando comecei a ler o texto até fiquei baralhada, porque não percebia sequer onde raio terias tu posto o circunflexo no bouquet;))

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  2. :)))Vocês merecem sim!

    O meu dizia que eu tinha escrito bouquê, daí o acento circunflexo...

    Mil beijos

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  3. Concordo com a Patricia em tudo :)
    Bjos

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