Depois do excessos gastronómicos da época nada como uma sopinha para equilibrar a intemperança. Assim sendo, reuni o que havia em casa no intento de me deitar na confecção de algo inofensivo e saudável. Sopa, uma sopinha de legumes pareceu-me uma óptima opção. Descobri para meu gáudio um quarto de abóbora pequena, esquecido pela minha mãe num banco por baixo da mesa da cozinha. Esventrei a abóbora, esquartejei-a sobre a tábua de madeira e, ao metê-la na panela de pressão, juntei-lhe duas batatas mínimas, apenas para melhorar a textura, e uma cebola. Enquanto isto, lembrei-me de que umas verduras também para quebrar a monotonia alaranjada do puré de abóbora ficariam muito bem e, uma vez que ainda não eram oito horas, hora de encerramento da mercearia, fiz-me à estrada e em trinta segundos estávamos à porta da mercearia.
A mãe da dona estava já em processo muito adiantado de arrumação e limpeza do estabelecimento, apurei entretanto que estava a ser ajudada por uma das filhas, a irmã da dona, o que me deixou particularmente feliz. De há umas boas duas semanas a esta parte tinha deixado de ver a irmã da dona da mercearia no estabelecimento. Pior: há uma semana vi-a toda lampeira a sair de um carro, acompanhada por um homem, à porta da churrasqueira, isto em dia de semana e em horário de abertura do comércio. Nesse dia cheguei a casa pesarosa. Então, mas afinal? Foi-se embora? Deixou-me à míngua? Natralmente zangou-se com a irmã, isto porque algures ainda no Verão, tinham feito mudanças na mercearia e, quando elogiei as mudanças, a mulher perguntou Bocê gosta? Eu gosto! Ah, mas a patroa na gosta, sendo que a patroa era a irmã. Na gosta, diz c´assim na bende nada e abeirando-se das caixas de fruta começou a empilhar maçãs e tomates ó, tá a ber? Ela quer é assim… Suspeitei que houvesse ali uma querela que as opunha e muito sinceramente também não entendi a técnica de marketing da dona da mercearia. Que o estabelecimento está sempre cheio é uma evidência facilmente atestável, logo a dona é que sabe e parece saber muito bem.
Quando deixei de ver a irmã da dona na mercearia e comecei a ser atendida pela dona, sua irmã, suspeitei o pior. Comentei as minhas desconfianças com o Hélder e, inconformada com a falta da minha interlocutora preferida na mercearia, lá segui a minha vida. É sabido que as ausências me corroem a alma. Ora esta?! E agora com quem ia partilhar as minhas dores e falar disto ou disto? Mas que coisa, ir-se embora assim. Na verdade, senti-me algo abandonada. A ausência de um tu nas nossas vidas pode mudá-las significativamente, às vezes, irremediavelmente, e, de repente, vi todos os bons momentos passados na mercearia como algo arrumado definitivamente lá no passado. Não era justo. Agora felizmente todas estas cogitações tinham-se provado infundadas e a irmã da dona da mercearia, levemente mais magra, apresentava-se bem disposta à minha frente. Tinha tido uns problemas de saúde Bocê sabe lá as dores quê tenho… e agora estava à espera de uma TAC às costas pra ber o que éi mas felizmente tinha regressado ao seu local de trabalho. Confesso que fiquei algo envergonhada de mim própria. E se a mulher tivesse arranjado um emprego melhor? Um que lhe agradasse mais e lhe apagasse as dores? Se tivesse mudado de vida? Que direito tinha eu de a querer ali apenas para dois dedos de conversa esporádicos? Regressei ao que vinha, sacudindo a culpa para trás das costas. Ora bem, queria espinafres se faz favor… Espinafres, espinafres na tenho mas olhe só se for brócos… ó pá, venham de lá esses brócos e já agora um alho francês. É pa fazer junto? Não, não é para a sopa… Ah, ê nã sêi mas diz que junto é um espectáculo. Vim para casa tranquila e a sopinha de brócos soube-me pelo coração, acredito que mais por quem me vendeu do que por mérito próprio nas lides gastronómicas, apaziguada que estava com a ordem reposta na mercearia. Há gente que não nos pode faltar.
foto: minha
A mãe da dona estava já em processo muito adiantado de arrumação e limpeza do estabelecimento, apurei entretanto que estava a ser ajudada por uma das filhas, a irmã da dona, o que me deixou particularmente feliz. De há umas boas duas semanas a esta parte tinha deixado de ver a irmã da dona da mercearia no estabelecimento. Pior: há uma semana vi-a toda lampeira a sair de um carro, acompanhada por um homem, à porta da churrasqueira, isto em dia de semana e em horário de abertura do comércio. Nesse dia cheguei a casa pesarosa. Então, mas afinal? Foi-se embora? Deixou-me à míngua? Natralmente zangou-se com a irmã, isto porque algures ainda no Verão, tinham feito mudanças na mercearia e, quando elogiei as mudanças, a mulher perguntou Bocê gosta? Eu gosto! Ah, mas a patroa na gosta, sendo que a patroa era a irmã. Na gosta, diz c´assim na bende nada e abeirando-se das caixas de fruta começou a empilhar maçãs e tomates ó, tá a ber? Ela quer é assim… Suspeitei que houvesse ali uma querela que as opunha e muito sinceramente também não entendi a técnica de marketing da dona da mercearia. Que o estabelecimento está sempre cheio é uma evidência facilmente atestável, logo a dona é que sabe e parece saber muito bem.
Quando deixei de ver a irmã da dona na mercearia e comecei a ser atendida pela dona, sua irmã, suspeitei o pior. Comentei as minhas desconfianças com o Hélder e, inconformada com a falta da minha interlocutora preferida na mercearia, lá segui a minha vida. É sabido que as ausências me corroem a alma. Ora esta?! E agora com quem ia partilhar as minhas dores e falar disto ou disto? Mas que coisa, ir-se embora assim. Na verdade, senti-me algo abandonada. A ausência de um tu nas nossas vidas pode mudá-las significativamente, às vezes, irremediavelmente, e, de repente, vi todos os bons momentos passados na mercearia como algo arrumado definitivamente lá no passado. Não era justo. Agora felizmente todas estas cogitações tinham-se provado infundadas e a irmã da dona da mercearia, levemente mais magra, apresentava-se bem disposta à minha frente. Tinha tido uns problemas de saúde Bocê sabe lá as dores quê tenho… e agora estava à espera de uma TAC às costas pra ber o que éi mas felizmente tinha regressado ao seu local de trabalho. Confesso que fiquei algo envergonhada de mim própria. E se a mulher tivesse arranjado um emprego melhor? Um que lhe agradasse mais e lhe apagasse as dores? Se tivesse mudado de vida? Que direito tinha eu de a querer ali apenas para dois dedos de conversa esporádicos? Regressei ao que vinha, sacudindo a culpa para trás das costas. Ora bem, queria espinafres se faz favor… Espinafres, espinafres na tenho mas olhe só se for brócos… ó pá, venham de lá esses brócos e já agora um alho francês. É pa fazer junto? Não, não é para a sopa… Ah, ê nã sêi mas diz que junto é um espectáculo. Vim para casa tranquila e a sopinha de brócos soube-me pelo coração, acredito que mais por quem me vendeu do que por mérito próprio nas lides gastronómicas, apaziguada que estava com a ordem reposta na mercearia. Há gente que não nos pode faltar.
Ainda bem que a irmã voltou. Assim temos garantidas novas crônicas da mercearia...
ResponderEliminarObrigada pelo postal. Chegou ontem e é lindo!
ResponderEliminarNuma qualquer curva da estrada, havemos de nos reencontrar.
ResponderEliminarGostei muito de te conhecer e mais ainda de te ler. Sua, sua...talentosa:)
Bom Ano!!!
Obrigada, Di, também gostei muito de te conhecer. Havemos de nos encontrar pois e um bom ano para ti :)
ResponderEliminarSopa de brócos nunca comi... ;-)Ainda bem que a irmã da dona voltou porque a nós faz-nos falta, nada de sentimentos de culpa! :)
ResponderEliminarMuito bom de ler o seu texto. Como sempre, me identifico com seus sentimentos.
ResponderEliminarUm abraço.
Brócos!... (LOL!)
ResponderEliminarSão palavras difíceis, é o que é! E línguas que teimam em não se dobrar... :)
Fiquei com pena de só tão tardiamente me ter deslocado à outra ala da mesa no outro dia. Parece que o intercâmbio oral vai ter que aguardar por uma outra oportunidade. Paciência...
Uma beijola e votos de um excelente 2007!
Beijolas e bom 2007 :-)
ResponderEliminarMais uma gostosissima crónica da mercearia que, com as anteriores e as que, estou certa, aí virão, dariam um belo livro, se publicadas.Mas, enquando isso não acontece, ainda bem que aqui estão, para nosso deleite.
ResponderEliminarUm beijinho e Feliz 2007!
Beijinhos, Milucha e obrigada. A publicação está longe do meu horizonte.
ResponderEliminarBom 2007 também e que nos continuemos a encontrar pelo menos aqui na blogosfera :-)
'a sopinha de brócos soube-me pelo coração'
ResponderEliminarSó esta expressão deliciosa faria valer toda a crónica. Bolas, que bem que escreves.
ó pá, assim fico envorganhada. Esssa expressão é de casa dos meus pais. Diz-se muito lá por casa quando algo nos sabe... pelo coração ;-)
ResponderEliminarVês? Eu nunca a tinha visto nem ouvido. É tão bonita. Parece quase... mia côutica.
ResponderEliminarMia côutica parece-me muito bem ;-)
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