Chegar não é meter a chave na fechadura, largar as malas à porta de casa, abri-las e esventrá-las, desabar-se em trabalhos múltiplos de máquinas de roupa imensa para lavar e arrumar as tralhas, souvenirs e traquitanas, sacudir a areia ainda entranhada na bagagem, se o destino tiver sido de praia, ou arejar o perfume do protector solar agarrado em abraço às mais ínfimas peças de roupa, se houve exposição solar.
Chegar não é só abrir as janelas de par em par para arejar os odores acumulados. Chegar não é descarregar as fotografias para o computador, mostrá-las aos amigos, enviar uma ou outra por e-mail. Chegar não é apenas contar as peripécias da estadia órfã de trabalho e trabalhos, sem horários a cumprir, maldizer o guia de viagem, se guia de viagem houve, blasfemar contra a carestia de vida a sul ou a norte, injuriar a água porque estava muito fria ou elogiá-la porque estava muito quente, insultar o mar porque estava muito bravo ou muito manso, maltratar a nortada que leva tudo pelos ares. Chegar não é a nostalgia do que se deixou, a depressão pós-férias ou pré-trabalho, mistérios incompreensíveis da pressa de catalogar estados de alma cinzentos.
Chegar é o doce sentimento de entrar por uma vida que nos espera vindos de uma que não se esgotou nos momentos efémeros de prazer e que reviverá, por certo, em palavras escritas, impressões trocadas com cheiro a maresia e a clorofila. Chegar é abrir portadas e janelas e cumprimentar os vizinhos, fazer festas ao cão Cãozinho lindo, tiveste saudades minhas? Abafar as gatas com festas Quem é a gatinha da dona, quem é? E depois calçar os chinelos e sair pela porta de trás. Descalçá-los de novo e assentar a planta dos pés sobre a relva, dar uma olhadela na passiflora Como cresceu! Seguir a ronda pelo maçaroco Dará mais flor este ano? E rumar à gardénia, espera-se ainda viçosa e perfumada. E chegar é espreitar o mar lá ao fundo, uma tarja brilhante, uma língua prateada ainda mais flamejante em tempos de Verão final, partilhar um gin tónico na quietude do dia salpicado de palavras e silêncios. Reencontrar os livros, pôr em dia leituras ocasionais e deambular sem destino fixo entre lombadas expectantes. Chegar é retomar a vida que se deixou antes de partir e transformá-la numa vida nova, uma sucessão de chegadas e partidas, um movimento pendular entre o ir e o vir, chegar e partir. Chegar é pertencer.