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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Adjectivos, depressa!

Se alguém estiver em posse de adjectivos fortes, sem eufemismos e bem expressivos, é favor entregá-los ao Ministro Nuno Crato e a este Governo. Digam que vão da minha parte. E avisem-nos que é feio, muito feio, criar expectativas e a quarenta e oito horas do Dia do Diploma falhar redondamente ao compromisso. É muito tranquilizante saber que o Estado não é uma pessoa de bem e que está parco em valores e palavra. E por favor, poupem-me ao discurso de que o país não pode, blá blá blá, que estamos pobrezinhos, que sim, a economia, os mercados, e o diabo a sete e de uma vez por todas levantem os rabos do encosto cómodo que não lhes permite vislumbrar os dois milhões de pobres que existem neste país. Quinhentos euros podem fazer a diferença. Tenho a certeza de que fariam.


Também no Delito de Opinião

domingo, 25 de setembro de 2011

Apetites


Nunca me tinha acontecido. Aconteceu-me um destes dias enquanto andava displicente de cabeça no ar, admirando salas e pormenores como se fosse a vez primeira que punha pé ali dentro e me aventurava além das fachadas imponentes, as mesmas que me acompanham há décadas, cobertas de neblina, tão góticas e tão misteriosas e adentrava torreões e claustros prenhes de santos monumentais em esgares místicos. Assim, de repente, vindo do nada, e sei que foi enquanto andava mesmo de cabeça no ar, a vertigem breve da admiração de sempre Mas como? Como é que aqueles gajos naquela altura fizeram isto? pensamento recorrente sempre que me encontro com obras além do seu tempo. E terá sido aí que me apeteceu um livro. Apeteceu-me um livro como apetece uma peça de fruta lustrosa e voluptuosa, um naco de bolo de chocolate húmido, um copo de vinho tinto degustado à lareira em dias de invernia, e apeteceu-me tanto. Devorar palavras, galgar páginas, deglutir vírgulas e pontos e sentar-me depois tranquila e digerir o prazer de palavras e mundos. Era um vez uma vez um rei que fez promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez.


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Um queixume por dia nem sabe o bem que lhe fazia (1)

O ecrã do meu computador pifou. Andava a fazer uns barulhinhos, assim uma patanisca fininha, e agora à tarde, enquanto deixei o computador a fazer actualizações, entregou-se sem piedade desta pobre desvalida ao mundo das trevas. Está mais negro que noite lua nova. Malvado. Traidor. Logo agora.

domingo, 18 de setembro de 2011

Straight from the heart


Era rebelde. Quando queria era doce e educado mas quando estava virado do avesso com uma vida que nem sempre lhe sorria tinha um feitio difícil e irascível que me levou a pô-lo na rua e a mandar chamar a mãe. No ano passado não conseguiu entrar na faculdade. Mandou-me uma mensagem a dar conta do acontecimento. Estava triste e cabisbaixo. Eu sabia que ter ficado para trás em relação aos colegas lhe teria deixado marcas, é orgulhoso e não gosta de perder. Este ano passei a vê-lo com frequência na escola. Preparava-se para melhorar as notas e apesar de nem sempre ter aproveitado o que a escola tinha para lhe oferecer, inquieto e revoltado com a vida que lhe passara uma rasteira, estava agora mais adulto e quase parecia apaziguado com as feridas. Nunca falámos sobre elas. Ele sabia que eu sabia, mas com o respeito que me merecem todos os que preferem devotar-se ao silêncio em momentos lunares, havia um entendimento sem palavras, assim como só os homens sabem fazer. E mandou-me uma mensagem há pouco. Respeitoso e feliz, cumpria o que me havia prometido o ano passado. Tinha entrado desta vez. E fiquei feliz. Que mais pode um professor desejar?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Movimento Verde

Eis que se abre uma excepção neste blogue cuja dona tem como cor preferida o vermelho. Falo do Verde Movimento. Ora espreitem aqui e já agora o perfil no Facebook.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Vida de professor

Desde que regresso ao trabalho e ainda mesmo antes das aulas começarem, passo o dia a fazer 'coisas', a preencher formulários, escrever papéis, avaliar isto aquilo e aqueloutro, que obsessão, meus deuses, esta de avaliar até o ar que respiramos e que me sufoca, cumprir desígnios sabe-se lá de quem e para quê. Em suma passo o dia a fazer merdas, que me desculpem os mais sensíveis e os que acham que tais palavras não devem sair da boca de um professor, mas assim é. Merdas que na prática não servem para nada se não para acumular resmas de papéis inócuos e que me roubam tempo e espaço para o que gosto de fazer e para o que devo fazer. Assim não vamos longe. Enquanto não admitirem isso passaremos o dia a fazer merdas.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Grandes males, grandes remédios


Devaneios terapêuticos

Enquanto o povo estrebucha com os cortes de tudo e mais alguma coisa, exactamente no dia em que se soube um filho vale a generosa quantia de uma dúzia de euros quando chegar a altura de nos levarem o subsídio de Natal, mantenho-me estupidamente a tentar pensar noutras coisas. Se assim não for não chegarei sã ao Natal e não tenho dinheiro para gastar com maleitas da alma que eu própria poderei evitar se inverter a tendência suicida de ter pensamentos catastrofistas e derrotistas e outras coisas mais em -istas. Neste meu devaneio terapêutico arredo furiosamente a hipótese de uma ilha tropical, na verdade nunca foi possibilidade mas apetece-me dizer isto, e entretenho-me a pensar na tentação imensa desta rentrée – odeio esta palavra- literária. Este mês de Setembro faz-me ter vontade de um Outono aconchegado, refastelada no sofá, enquanto não tenho de o penhorar para pagar a luz e a água, e rodeada das novidades. Ah, as novidades! Perdoem-me esta exclamação inflamada mas eu sou rapariga que gosta de novidades, desde que não seja o Vítor Gaspar a dar-mas evidentemente. E o que vem aí é muito tentador. Mário de Carvalho, Valter Hugo Mãe que se converteu às maiúsculas, logo agora que já me tinha habituado às minúsculas e José Luís Peixoto andarão por aí a espalhar a palavra escrita aos leitores com títulos muito sugestivos, Quando o Diabo Reza, O Filho de Mil Homens e Abraço respectivamente. Sairá ainda Comissão das Lágrimas de António Lobo Antunes e Uma Mentira Mil Vezes Repetida de Manuel Jorge Marmelo que me deixou curiosa. Isto para não falar de mais um livro de contos de José Eduardo Agualusa. Nos escaparates dos livreiros, sim, também gosto de acalentar esta ideia peregrina de que há livrarias à antiga com estantes de madeira até ao tecto e silêncios apenas entrecortados com o restolhar dos casacos e o virar das páginas, brilharão as capas novinhas em folha ainda perfumadas de tinta. Haverá melhor? Dream on.



segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Como os gatos


Entrou em casa com o ar aflito de sempre, os olhos de misericórdia que nos levaram à certa quando já tínhamos decidido que duas gatas era lotação esgotada nesta casa, miou com a voz de sempre, de menina desamparada à procura de protecção, e depois de ter bebido água e comido um biscoito, decidiu que hoje havia de mudar de poiso. Que não se pensasse que ficaria para sempre confinada ao espaço de quase reclusão que escolheu quando a Julieta aqui chegou e começou a ter focinho empinado. Durante a manhã já havia prometido e em vez do canto reservado do olhar de todos, um verdadeiro abrigo contra intrusos e outros chatos, optou pelo sofá. Agora mesmo está ali sentada num cadeirão encostada à gata mãe que apesar de muito refilona tem paciência. Há sítios mais cómodos, mas nenhum lhe pareceu tão apetecível como aquele, encostada à mãe, negociando mais um pedaço da almofada laranja, conquistando território. E é isso que gosto nos gatos. A inconstância após longos períodos de hábitos instalados, a mudança inesperada, exactamente na medida dos seus humores repentinos, Agora já não quero isto, uma existência verdadeiramente livre dos constrangimentos do social, Não, não vou ronronar, dos embaraços das ofensas bacocas Desculpa lá não me ter sentado ao teu lado, Desculpa lá hoje apetecer-me outra coisa. Esta forma tão própria de ser, de não querer saber e afirmar-se em tudo. A inveja de também eu sentada no sofá poder entregar-me ao pecado sem culpa de ser apenas eu. Como os gatos.

Lolita e Guidinha

Freddie Mercury





Crepuscular como Setembro. Em memória de uma das grandes vozes de sempre.

domingo, 4 de setembro de 2011

Chegar

Chegar não é meter a chave na fechadura, largar as malas à porta de casa, abri-las e esventrá-las, desabar-se em trabalhos múltiplos de máquinas de roupa imensa para lavar e arrumar as tralhas, souvenirs e traquitanas, sacudir a areia ainda entranhada na bagagem, se o destino tiver sido de praia, ou arejar o perfume do protector solar agarrado em abraço às mais ínfimas peças de roupa, se houve exposição solar.
Chegar não é só abrir as janelas de par em par para arejar os odores acumulados. Chegar não é descarregar as fotografias para o computador, mostrá-las aos amigos, enviar uma ou outra por e-mail. Chegar não é apenas contar as peripécias da estadia órfã de trabalho e trabalhos, sem horários a cumprir, maldizer o guia de viagem, se guia de viagem houve, blasfemar contra a carestia de vida a sul ou a norte, injuriar a água porque estava muito fria ou elogiá-la porque estava muito quente, insultar o mar porque estava muito bravo ou muito manso, maltratar a nortada que leva tudo pelos ares. Chegar não é a nostalgia do que se deixou, a depressão pós-férias ou pré-trabalho, mistérios incompreensíveis da pressa de catalogar estados de alma cinzentos.
Chegar é o doce sentimento de entrar por uma vida que nos espera vindos de uma que não se esgotou nos momentos efémeros de prazer e que reviverá, por certo, em palavras escritas, impressões trocadas com cheiro a maresia e a clorofila. Chegar é abrir portadas e janelas e cumprimentar os vizinhos, fazer festas ao cão Cãozinho lindo, tiveste saudades minhas? Abafar as gatas com festas Quem é a gatinha da dona, quem é? E depois calçar os chinelos e sair pela porta de trás. Descalçá-los de novo e assentar a planta dos pés sobre a relva, dar uma olhadela na passiflora Como cresceu! Seguir a ronda pelo maçaroco Dará mais flor este ano? E rumar à gardénia, espera-se ainda viçosa e perfumada. E chegar é espreitar o mar lá ao fundo, uma tarja brilhante, uma língua prateada ainda mais flamejante em tempos de Verão final, partilhar um gin tónico na quietude do dia salpicado de palavras e silêncios. Reencontrar os livros, pôr em dia leituras ocasionais e deambular sem destino fixo entre lombadas expectantes. Chegar é retomar a vida que se deixou antes de partir e transformá-la numa vida nova, uma sucessão de chegadas e partidas, um movimento pendular entre o ir e o vir, chegar e partir. Chegar é pertencer.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Tu e eu

Sentada no sofá, no mesmo sofá em que soube que jamais serias o mesmo e o corpo te havia traído, encostei a cabeça. Naquele dia também o terei feito incrédula, disparando perguntas que não me sabiam responder. Hoje não havia perguntas. Era uma sexta-feira de Abril, o dia estava cinzento, eu não tinha aulas e deixei a alma e o corpo resvalar na indolência de nada fazer. Um luxo. Um luxo verdadeiro na ligeireza de mais um dia tranquilo. Ligo a televisão.
E encostei a cabeça. Uma lágrima estúpida. Que parvoíce, penso. Que disparate tão grande. A chorar para a televisão. Sacudo a lágrima. Vou até à porta como se enxotasse a dor e varresse porta fora a saudade súbita que me entrou de repente, tão inesperada e imprevisível. Que estúpida, penso, a chorar para a televisão. Sento-me de novo. Talvez a ida breve à porta para respirar o ar cinzento e húmido me tivesse chamado à razão. Espantado a dor, apagado por instantes esta memória que me apanha sempre de surpresa. Esperança vã. Sento-me e choro. Soluços. O coração em solavancos. Atento na transmissão televisiva. A noiva sobe agora a igreja com o pai e aquele pai e aquela noiva, sou eu e tu, Papá. Sou eu e tu que caminhamos lado a lado, és tu que sorris em volta, é o teu braço quente que sinto ainda, a tua presença tão forte, meu querido pai, o teu sorriso tão feliz. Aquele pai e aquela noiva, sou eu e tu, Papá. Serei sempre eu e tu. Seremos sempre nós.

Ao meu pai. No dia em que o sofá ficou para sempre vazio

Sometimes