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terça-feira, 26 de abril de 2011

Passeios

Sentada no sofá a consciência cutuca-me no ombro. Realmente, penso. Subo ao quarto, visto uma t-shirt e calço os ténis, penduro as chaves de casa ao pescoço e abalanço-me porta afora, brindada de imediato com o perfume e a exuberância da glicínia que adorna a pérgola. Primavera generosa, esta que se pôs de rompante. E subo a rua e viro à direita, lançada pela morrinha de nada fazer a não ser mexer o corpo, esse que se me pôs e que nem sempre reconheço como meu. Vã esperança de o recuperar. Patética ilusão. Sol na cara como gosto e o campo todo que se vai deixando desvendar pela pletora de aromas que inspiro como perfume à medida que passo. Os limoeiros carregados e simultaneamente em flor libertam uma fragrância apaziguadora, acentuada pelo sol que me bate no rosto. Cães que ladram em fundo. Longe. E depois o cheiro do pinhal tão característico e marcante, a reminiscência dos piqueniques da infância. Inspiro. Expiro. Tão fácil afinal.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Leituras

O mundo é um livro e aquele que não viaja lê apenas uma página.
 
Santo Agostinho

segunda-feira, 11 de abril de 2011

O inferno entre quatro paredes

Segunda pela fresca. Acordo ainda antes do despertador tocar. Estico uma perna e sinto uma gata que me acompanha nesta sorna discreta. Espreguiço-me no enlevo de quem tem finalmente uma segunda de manhã mais tranquila. E desço. Há sol e a serenidade de uma manhã de Primavera carinhosa. Deixo sair as gatas. Tomo o pequeno-almoço nas calmas com a porta da sala aberta para que façam o que mais gostam: entrar e sair a contento. Não há melros agora, penso. E deixo-me acarinhar pelos momentos descontraídos, a paz esperada depois de meses de bulício. E lembro-me. Há que confirmar a reunião, dez e meia ou onze? E penso, O raio da reunião. E repenso É rápido. E relembro de repente o mau humor das últimas reuniões em Dezembro. Uma raiva furiosa de me ver dali para fora o mais rapidamente possível, uma vontade estúpida de não falar com ninguém, de meter a cabeça nas tabelas de Excel, de me escusar a cumprimentos e palavras, ouvir as balelas ocas como um pêndulo entre extremos disparatados onde tudo tem desculpa e a mínima transgressão deve ser punida com reclusão a pão e água, pobres adolescentes que nem o podem ser e, acima de tudo, regressa a vontade de fugir para longe como se estivesse a ser submetida a uma tortura inominável com hora de entrada e saída. A escola são os alunos. Sem eles tudo me parece insuportável entre aquelas quatro paredes.

domingo, 10 de abril de 2011

Domingo de manhã

Domingo. Enquanto me entrego pela manhã na preparação do almoço tranquilo sem pressas nem balizas de tempo castradoras, espreito a tarja de mar lá no fundo, a companhia apaziguante em dias de acalmia, o bálsamo de esperança em dias sombrios de alma decaída. Verifico ingredientes e vou delineando planos com a rapidez da execução multifuncional. Morreria de tédio de mim própria se assim não fosse. A morrinha irritante de esperar a cada momento sua coisa, como se a vida fosse uma infindável fila de momentos e objectos de senhas de atendimento em riste, aguardando enfim a sua vez. Ouço os cães agitados. O ladrar que indicia alguém novo na rua. Pela janela da cozinha vejo duas mulheres jovens a tocar à campainha dos vizinhos. Azar, penso, os vizinhos não abrem a porta a estranhos, sejam eles hordas de crianças em dia de Pão-por-Deus ou a mulher dos alperces que a espaços cá passa, quando é o tempo dos alperces ou o das uvas também. As mulheres abandonam o portão do vizinho resignadas à sorte da porta fechada, metáfora tão provável de outros momentos da vida. Verifico o almoço e a campainha toca. Dirijo-me à porta. Pergunto-lhes ao que vêm. Solicitas e de sorriso cândido largam a prosápia Vimos convidá-la para um evento. Muito bem. E qual é o evento pergunto. Atiram-me É um evento a nível mundial que vai acontecer a 17 de Abril: o enterro de Cristo Jesus. Agradeci cordata. Não estou interessada, obrigada e recolhi-me. Estranho convite a um Domingo de manhã.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A tragédia da classe económica

Raramente terei começado post algum com tanta vontade de escarrapachar nomes, assim uma espécie de anúncio à moda do Velho Oeste: WANTED mas hoje, ai hoje, logo hoje, passados uns meros dias sobre o anúncio fatídico da vinda desse tal FMI ou FEEF ou outra coisa qualquer que, surpreendam-se, vai ajudar a Banca, deu-me esta ímpeto. Foi logo pela fresca quando no meu mural facebookiano me anunciaram que nove dos nossos deputados europeus votaram contra uma proposta para que os voos com duração inferior a quatro horas passassem a ser em classe económica. E agora os nomes e os partidos, já agora: José Manuel Fernandes, Paulo Rangel, Regina Bastos, Carlos Coelho, Mário David, Maria do Céu Patrão Neves e Nuno Teixeira do PSD e Luís Manuel Capoulas Santos e António Fernando Correia de Campos do PS votaram contra. Numa altura em que são pedidos mais sacrifícios do que o conseguimos suportar não ficaria nada mal aos senhores doutores engenheiros arquitectos deputados, uma verdadeira realeza que não se pode sentir encunicada durante umas reles quatro horas e precisa desta afirmações bacocas de uma dignidade vã, dar o exemplo. Desengane-se quem acha que este país ainda tem viabilidade com gente desta. Não tem.



domingo, 3 de abril de 2011

Gastão

Arranham-nos os sofás, querem dormir connosco, dormem connosco, esfregam-nos os bigodes pela fresca, espreitam nos momentos menos convenientes, trepam pelos cortinados, querem comer a nossa comida, exigem festas e carinhos e distância se for caso disso, sentam-se no jornal que estamos a ler, mas trucidam-nos de dor quando decidem partir sem aviso. Foi assim com o Gastão. Desta vez a sorte já não lhe chegou.