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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Haverá vida?

Olho para o relógio. Hora e meia, hora e meia é quanto falta para que termine o mês do futebol no Geração Rasca e, antes que termine, existe ainda assunto merecedor de peroradela. Muitos outros haveria certamente, muitos que escapam ao olho e sensibilidade feminina – parca a minha – para estes mistérios em torno de vinte e dois homens correndo atrás de uma bola, um que apita, faz sinalefas e mostra cartões, dois que ajudam e uma multidão esfaimada e desvairada que solta o animal mais temível adormecido na farpela profissional nas restantes horas e épocas do ano ausentes de futebol, que, se as há, desconheço. Pelo que me é dado a observar através do modesto e único televisor que vive cá em casa, suspeito que há jogos de futebol vinte e quatro horas por dia, sete dias da semana. Os jogos de futebol são como o antigo slogan de promoção de Portugal Há sempre um Portugal desconhecido que espera por nós. Assim é com os jogos de futebol: há sempre um jogo de futebol desconhecido que espera por vós, se não for o Futebol Clube do Boco é o Cascalheira, e, se não forem estes, a RTP Memória encarrega-se de passar jogos do tempo em que o Figo ainda era felpudo, usava camisola interior e tinha caracóis à menina, naquela altura em que o Sporting ainda tinha dinheiro para lhe pagar.
Porém, o que me traz hoje aqui é uma outra questão. Confesso que eu própria já lá entrei, foi isto no antigo e saudoso Estádio de Wembley, desci ao relvado, levantei o caneco, aprendi umas coisas sobre o comportamento de Sua Majestade em dia grande de futebol britânico e, algures pelo meio, visitei-o. E visitei o quê? Visitei o balneário, o antro de cumplicidades onde os jogadores, treinadores, adjuntos e sei lá mais quem, discutem tácticas, técnicas, passes, trivelas e tabelinhas, rezam à senhora de não de onde, benzem-se, dão palmadinhas nas bundas uns dos outros, provavelmente passam as mãos pelos pescoços uns dos outros e, julgo, se passeiam em trajos menores. Nunca entendi essa coisa do balneário. O tal que visitei estava lindinho e asseado à espera do turista, já se sabe, que turista raramente paga para ver porcaria, tinha a camisola do Beckham e dos demais pendurada, o que em nada correspondia à imagem efabulada desse local mítico onde homens pujantes segregam odores aos molhos para as meias e chuteiras, passeiam-se em cuecas, acariciando-se aqui e ali. Um nojo, portanto, um nojo mas um nojo necessário ao que parece: sem balneário não há futebol e sem futebol, haverá vida?

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Eu gosto é do Verão (2)

Ribeira d'Ilhas
foto: minha

Tanta posta, mulher

Oito centenas de palavras, fotos, imagens, disparates, dislates, lágrimas, saudade, risadas, gargalhadas, cidades, livros e viagens são muitas centenas.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

A coluna da direita

Diz a Patrícia que gosta aqui d 'A Curva da Estrada. O sentimento é naturalmente recíproco. Ainda sou do tempo em que nos escrevias de pernas para o ar crónicas deliciosas, a reclamar pastéis de nata, down under de um lugar chamado Hobart que fiquei a conhecer graças a ti e que deste a conhecer a mim própria o mais desdenhoso dos sentimentos e pecados, a inveja, quando foste dar uma saltadinha a Vanuatu. O que agora me encanita é essa conversa da coluna da direita, até estou a pensar mudar aqui o estabelecimento. Valha-me a santa, mulher, não podia ser do outro lado?

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Depois do livro

Escritor anónimo, Budapeste
foto: minha

Budapeste de Chico Buarque também em filme. A ver no próximo ano.

O ilustre blogue

A Ana elegeu aqui A Curva da Estrada como Ilustre Blogue Convidado da Semana. Uma distinção que muito me honra e outro tanto me acarinha.

sábado, 14 de junho de 2008

Postal de aniversário


Olho para o postal de aniversário. Primeiro as cores estridentes típicas dos anos sessenta, os chapéus de sol, os fatos de banho e a pose das mulheres, há mais mulheres em primeiro plano do que homens, os morros lá ao fundo quase tapados pelos prédios da Avenida Atlântica. Onde moraria então? No Leblon talvez. No verso do postal lê-se Brasil Turístico – Rio de Janeiro e depois em várias línguas Praia de Copacabana. No canto superior esquerdo em transversal a advertência em maiúsculas AVIÃO. Sobre o postal amarelecido com selos de trinta centavos, a letra tão característica, apenas os brasileiros a conseguem, bem desenhada, artística, legível e bela, uma deferência pelo destinatário das palavras escritas. Muitos e muitos beijinhos pelo seu aniversário, você que é a bonequinha muito querida de todos os nós. Muitos beijinhos e muitas saudades da titia Didê Rio, 6-69 E, tal como um livro, o postal ganha vida enquanto leio em surdina as palavras da minha tia e a mensagem agarra-se-me com um abraço envolvente e um beijo infantil. A bonequinha agradece.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Santo António de Lisboa

foto: minha

Fernando Pessoa

Vivem em nós inúmeros,
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.

Ricardo Reis

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Momento sitemeter (9)

O meu fisaleiro, será que é assim que se chama?, tem vida própria. É o mais procurado neste blogue, mais do que euzinha. Pois bem, para que cá não venham em vão, aqui ficam duas imagens recentes: uma do arbusto, bicho indomável que cresce a olhos vistos, outra da primeira safra de fisalis deste ano. Absolutamente biológicos e deliciosos.


fotos: minhas

terça-feira, 10 de junho de 2008

A comuna

Fiquei a saber pelos órgãos de comunicação social que sou de esquerda e isto porque ao estar indignada com as afirmações de Cavaco Silva por ter proferido que hoje, 10 de Junho se comemora o Dia da Raça, fui imediatamente catalogada e identificada com a esquerda. Ao que parece estar incomodada com a afirmação grave de um chefe de Estado catapulta-me para uma orientação política: a esquerda exige explicações. Naturalmente qualquer cidadão informado e democrático, de esquerda, direita ou centro, consciente das implicações de fazer parte de uma Europa que se quer multicultural, tolerante e respeitadora das diferenças devia sentir-se incomodado por ter um presidente que recua ao tempo da ditadura e, pior que isso, usa um conceito carregado de preconceito e racismo. Os nacionalistas agradecem. Se acontecesse na Alemanha choveriam as acusações de nazismo. Aqui são gaffes, afinal o presidente é um homem simples de Boliqueime, coitado, foi sem querer. O mais preocupante é que para Cavaco Silva o Dia de Portugal é o Dia da Raça, se assim não fosse a expressão teria sido varrida com um tempo de maior tolerância e aceitação da diferença, democrático, portanto, e jamais seria utilizada em pleno século XXI. Mas isto sou eu que sou de esquerda. Com muito gosto, obviamente.


também no GR

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Respirar fundo

Não entrar em pânico nunca é uma das linhas orientadoras sobre a qual vou deixando deslizar a minha pacata existência. Não entrar em pânico em situação alguma. Não soltar uivos e gritos. Não me descontrolar. Não deixar sons saírem desagregados boca fora, palavras e gestos. Não entrar em pânico. Respirar fundo e pensar que vai passar. Nada há que dure sempre, dor física incluída, portanto, respirar fundo e pensar que vai passar. Há-de passar. E passa. Em situações normais passa, só não passa quando estou desde Outubro sem deixar o corpo apanhar sol, tenho uma cor leitosa que assusta até a mim própria, os pés encarquilhados e um semblante desbotado. Mesmo respirando fundo não passa.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Francamente

O Marilyn Manson tem lugar cativo nas minhas aulas. Senta-se lá para o fundo, mantém-se calmo e observador e tem, regra geral, pasme-se, uma presença discreta, não fossem aqueles olhos.
Primeiro a conversa desenrola-se em torno da música, já se sabe, tema que oferece grande consenso entre os adolescentes embora os gostos específicos de cada uma os coloque amiúde nos antípodas, muitas vezes com placas ao pescoço atribuídas mutuamente. Depois inevitavelmente o rapaz é chamado. E lá andávamos tranquilamente, tão tranquilos quanto possível, já se vê, quando o Marilyn Manson me salta ao caminho A stora sabe o que é o Marilyn Manson fez? Ora, ora. Quem não sabe? Respondi apenas Sim, sei. A garota não se deu por satisfeita, não se daria por satisfeita mesmo uma dúzia de perguntas depois Mas, ó stora, a stora sabe mesmo? Sim, sei mesmo. Nova intentona Sabe, stora? Sabe. A Stora sabe e a stora, já estando pelos cabelos com o mito criado, ordenou que o questionário parasse de imediato. Ela sabia, eu sabia, todos sabiam. Ponto final. Avisei que era mito, ela não quis saber. Mas ó stora... As estrelas vivem de mitos. Arremessou-me um olhar cúmplice. Nos olhos li-lhe Ah tu sabes… Tocou, entretanto, e o Marilyn Manson saiu com os restantes alunos. Rosnou qualquer coisa entre dentes, diz que estava farto da mesma conversa. Pois, compreendo-te, imagina eu, ainda lhe disse, mas estava já no meio do pátio como bola de ping-pong nas conversas das garotas.
A última vez que ele me apareceu foi exactamente no meio de uma outra conversa sobre gente bizarra e música. Ao contrário da aluna anterior, que se mostrou insistente mas que acabou por se resignar, sabe deus como, desta feita, não houve quem calasse o rapazola púbere, de resto, não há quem cale o rapazola púbere em situação alguma. Um verdadeiro one man show assumido e aclamado, sempre bem disposto e eléctrico, que só sossega quando se lhe diz que quando quer sabe comportar-se ou que é miúdo inteligente, que podia ter melhores resultados, palavras doces e sinceras amansam qualquer fera, este diabrete incluído, excepto quando as hormonas se manifestam, portanto, aqui a pobre stora não teve sequer tempo, hipótese ou possibilidade de apaziguar a conversa e deixar o Marilyn Manson descansado. Stora, o Marilyn Manson é uma ganda maluco, sim, pois, claro, ao que acrescentou transgressor e triunfante Tirou as costelas para fazer falácias a ele próprio. Ganda maluco! Eu sabia. Aqueles olhos não enganam ninguém. Eu sabia que havia algo errado com o mafarrico, desconhecia era que fossem as falácias. Francamente, ó Marilyn Manson.

domingo, 1 de junho de 2008

Prever o imprevisto

Planear uma viagem é como planificar uma aula: uma declaração de intenções, com objectivos e metas a alcançar, meios a utilizar, intervenientes e actividades a realizar para cumprir objectivos e desenvolver as competências dos aprendentes/viajantes. Contudo, exactamente como num plano de aula deve haver espaço para o imprevisto e, tal como num plano de aula, o imprevisto não aparece expresso, paira antes como um ente etéreo, uma possibilidade nem sempre tida em conta em ambas as situações e que pode ser mais ou menos aterradora de acordo com a inexperiência de quem ensina e viaja. Uma vez presente, tal como na aula, cabe ao gestor das aventuras tirar o melhor proveito, contornar as situações se necessário for, mas jamais, em ambas as situações, permitir que o imprevisto ocupe honras de estado e aniquile a experiência plena de aprender e de viajar.
Pobres, pois, os planificadores exaustivos, escrupulosos cumpridores de tarefas ao segundo, maníacos da ordem e do rigor, ser-lhes-á pesado o viajar quando por artes inexplicadas o plano segue um percurso paralelo e decide cortar por um trilho secundário. Os rostos dos turistas embrulhados nas toalhas de banho de hotel para apaziguar o frio cortante do ar condicionado naquele autocarro que nos acudiu no meio de caminho, algures antes de Montego Bay, atestaram por completo a ausência de sentido de humor e a exigência feroz de que nas férias tudo siga a contento como nos países de origem. Assim não é e assim não deve ser. Tudo piorou quando esse mesmo autocarro desistiu da marcha quilómetros à frente, no meio de caminho nenhum numa noite sem luar em plena estrada para Negril, um problema de motor talvez, e obrigou o turistame a largar o autocarro, cheirar o perfume da noite jamaicana e submeter-se à fome voraz dos mosquitos cá fora, enquanto ajuda chegava. A guia, já se sabe, era guia mas tinha a sua vidinha, portanto abeirou-se-nos e despediu-se cordata. Sabem como é que é, se for convosco venho para casa muito tarde… Yah mon! No problem, mon. O turistame ficou entregue a outra guia e, quando horas depois chegámos à nossa casa jamaicana, a guia número dois tinha sido contagiada pelo humor canídeo do seu grupo e oferecia-nos um semblante furibundo.
Daquela vez em que passei três dias à espera que a chuva desaparecesse, a neblina se dissipasse e o Cristo Redentor se mostrasse, sabe deus quanto esperara por aquele momento, aproveitei para dar uma banda sonora à praia de Ipanema batida pela chuva. Águas de Março, era Março, e a espaços ainda ecoava a marcha de Carnaval que ouvira na infância nos LPs que a minha tia trazia nas visitas fugazes a Portugal Tomara que chova três dias sem parar…ou Chove chuva, chove sem parar. E quando Copenhaga surgiu como destino e uma visita a Elsinore como uma possibilidade forte, o que os livros nos fazem, a neblina densa, abrupta e quase impenetrável que se abateu sobre o castelo que, à medida que o ferry se aproximava de Helsinborg do lado de lá do mar, se tornava uma mancha informe e irreconhecível, só podia ser maldição, Hamlet não deixa as coisas por menos. Imprevisto mas belo. Como o viajar.