Todos os dias da minha vida tento libertar-me de preconceitos, ter um olhar límpido sobre a realidade em meu redor e afastar-me dos estereótipos que me assolam a capacidade de percepção do outro e o arrumam em categorias. Diz-se pois que não se deve julgar nunca um livro pela capa, que as aparências iludem e que nem tudo o que é parece. Depois deste exercício começo então a acreditar, além da observação do real e da reflexão, na intuição e, regra geral, percorridos todos os passos, acontece-me verificar a premissa da qual parti, tranquilizando-me quanto ao que supeitei serem preconceitos.
Quando parti para Salvador no ano passado e o avião fez escala em Porto Seguro verifiquei, pelo modos de tanto quem abandonava o avião como de quem entrava, que o português, generalizando, sabido é que há sempre excepções, que viaja para este destino tem lacunas graves a nível de civilidade e de convívio com os demais. O comportamento é ruidoso, não que ser ruidoso em si seja uma falta, mas o tipo de ruído que produz é pouco abonatório das suas pessoas: berra, mexe-se sem cuidado de incomodar quem está tranquilamente sentado e diz piadas brejeiras, mal-educadas e grosseiras. Para dizer a verdade, nunca entendi esta necessidade que os portugueses, passageiros de charters, têm em mexer, mexericar e revolver tudo mas tudo o que se encontra à sua volta: as instruções de segurança, tudo bem se se quiser manter informado, a capacidade de recostar os bancos, os folhetos na bolsa à sua frente e as luzes, luzinhas e saídas de ar sitas por cima das suas cabeças. Concomitantemente dão balanços no assento, espeta os joelhos nas costas do banco da frente, desaperta ruidosamente os cintos assim que tal é permitido e levanta-se de seguida para ficar em pé nos corredores ou mesmo nos seus lugares olhando para os seus companheiros de viagem. Não percebo, não entendo. Mas será que não podem ficar tranquilos nos seus lugares, levantar-se apenas quando necessário e absterem-se de dizer disparates? Certo é que gente assim há por todo o lado, o problema é quando se juntam todos num espaço exíguo sem possibilidade de fuga. Parem! Parem! Parem o avião que quero sair, se faz favor.
Em Porto Seguro verifiquei as suspeitas iniciais: as atitudes exasperam o mais tolerante. Tratam os guias, comerciantes e todo o pessoal do hotel por tu, pedem descontos a torto e a direito, dizem piadas ordinárias, estabelecem comparações com a realidade à sua volta, imperando sempre que o nosso Portugal é que é bom, seguro, limpo, civilizado e organizado, a nossa comida a melhor do mundo, algo que me escapa também. Pergunto-me de que Portugal vem aquela gente que fala a língua de Camões e que revela um desrespeito total constrangedor perante a cultura do Outro ou de que Portugal venho eu, então.
Numa visita aos índios Pataxós um homem atrás de nós avisava alto e bom som que não trocava a sua casa pela deles, ai não trocava não, então trocava lá agora?! Alguém perguntou aos índios se trocavam as suas ocas pela mansão do energúmeno? E depois continuou: peixe? Mas que raio de peixe era aquele que nos serviram lá assado numa folha com farinha de mandioca? Nada como as suas sardinhas assadas na brasa. Sim, o nosso peixe é muito melhor, o safio e as douradas, o cherne e o pargo. Para a próxima vez será melhor avisar os índios para servirem uma sardinhada com pimentos e pepino, batatas cozidas e pão caseiro e para não se esquecerem da vinhaça, se faz favor, do garrafão de cinco litros, pois claro, e em vez de fazerem cerimónias aos deuses, proferindo preces indecifráveis, toca a pôr o Quim Barreiros, o Nel Monteiro ou a Ágata. É que assim uma pessoa nem tem vontade de sair de Portugal.
Foto: minha
Maceió, 2006