Esta história da revisão do Estatuto da Carreira Docente tem ocupado grande parte dos meus pensamentos e cogitações. Na verdade, estou certa e convicta que deverá haver uma mudança na Carreira Docente. Não é justo nem dignificante que um professor faltoso e negligente progrida exactamente da mesma forma que um empenhado e cumpridor, tenho menos certeza que a necessária mudança irá operar-se com este novo Estatuto e mais certeza ainda tenho que muitas das intenções propostas irão cair pela base pela sua inexequibilidade.
Quem pariu este documento está completamente a Leste do que se passa cá por baixo, no mundo dos mortais e reles professores do Secundário, professores esses que eles próprios e as suas Instituições de Ensino Superior Universitário formaram e de onde foram recrutados Maria de Lurdes Rodrigues e Jorge Pedreira. É triste, pois, que passem um atestado de incompetência aos seus pares, àqueles que dentro das suas universidades deram formação científica e pedagógica aos licenciados existentes. Muito triste e lamentável. Portanto, estão, em primeira análise, a admitir publicamente que prestam um serviço ineficaz, deficiente, incompetente à própria Nação. Nesta linha, vem o exame de admissão à Carreira. Então se os alunos universitários fizeram uma licenciatura e um estágio pedagógico, porque têm agora de prestar uma prova suplementar? Pergunto-me se o Ensino Superior terá já reparado neste lamentável atestado de incompetência que lhe está a ser passado com todas as letras. Fui docente no Ensino Superior durante seis anos. Guardo as melhores recordações desses momentos, estou profundamente grata a quem me convidou para exercer funções e, embora muito desgastante e de imensa responsabilidade, o trabalho que realizei fez-me crescer e aprender muito. Foi com enorme mágoa que tive de me vir embora e com enorme mágoa que regressei ao Secundário. Tenho saudades das pessoas que tanto me acarinharam e que nunca me fizeram sentir menos do que eles, soldado raso que era na Faculdade, como dizia em tom jocoso. Tenho saudades de outras coisas, comezinhas talvez, a luz de Lisboa, o périplo pela livraria da faculdade, um café na esplanada.
Devolvi o meu cartão do sindicato num belo dia em que o mesmo sindicato se vangloriava por ter conseguido que nós, recém-formados professores das universidades, tivéssemos sido atirados para os confins dos concursos de professores. Certo é que seríamos uma minoria e que as minorias, como se sabe, não dão protagonismo a ninguém mas, como qualquer ser minimamente digno faria, recusei-me a fazer parte daqueles que estavam felizes e contentes por eu, sua sócia com quotas em dia, ter sido finalmente escorraçada para as calendas. Hoje dou graças por não ser sindicalizada. Como professora não me revejo no que apregoam. Não tenho medo algum da apreciação dos Encarregados de Educação. Que raio de classe se amedronta com uma apreciação do seu trabalho? A questão de fundo é trazer os pais à escola e convencê-los que ter filhos é mais do que passar uns segundos aos ais e uis, ficar tão feliz, tão feliz com o nascimento do rebentinho, ai é tão lindo, ai é tão parecido com a mãe, o pai, a prima e depois lançá-los aos lobos e admitir que não conseguem fazer nada deles, que sim, que desde a Escola primária que falam muito, que têm personalidades fortes e vincadas, pronto, que sempre foi assim, e que, portanto, crescendo sem rei nem roque, sem afecto e sem regras, sem referência alguma, tornam-se numa massa mal-educada e amorfa uns, outros achando que não valem nada e que são uns incapazes. Parece-me grave, muito grave o que os pais, na sua generalidade, fazem aos seus próprios filhos. Seria bom, de facto, que pais e professores se uníssem em torno do que talvez seja o centro das suas vidas pessoais e profissionais: os adolescentes, filhos e alunos.
Concluindo, resta-me apenas dizer que o processo de avaliação dos professores é tão burocrático que os professores não passariam a fazer mais nada, se não a avaliar-se uns aos outros, logo os alunos seriam mais uma vez esquecidos, mas pelo menos estava tudo avaliado para gáudio da ministra, que sabe-se lá porquê, por lá algum romance falhado com um professor, teima em nos denegrir. E isto é mais uma vez triste, há que manter a dignidade, estas questiúnculas não levam a lado nenhum e não ficam bem a ninguém. Hoje já não é vergonha fazer terapia, sempre ultrapassava esse rancorzito, era uma rapariga mais feliz e deixava de dizer disparates por essa boca fora. Há coisas que não ficam bem a uma Ministra mas também ninguém se importa com isso. Se fosse num país decente já se tinha demitido ou sido demitida. Aqui os políticos agarram-se com unhas e dentes aos poleiros, nem a SuperCola3 consegue ser tão eficaz.
Por último, o que move esta revisão dos Estatutos não são os alunos, muito menos os professores, muito menos ainda a qualidade do Ensino, mas números, números de melhoria aparente nas taxas de insucesso escolar para alardear na Europa do José Manuel, o tal que foi para Europa porque era bom para Portugal. Números, portanto, números nos cofres do Estado, números de funcionários públicos a menos. Qualquer pessoa perceberá que não é com turmas de 28 alunos que se consegue estimular e promover a autonomia e outras coisas mais com um palavreado esotérico, com que os programas estão prenhes e que a maior parte dos professores desconhece quase por completo. O que o Governo e a Ministra querem mesmo é mostrar-se bons e mauzões, à boa maneira lusa, a mim ninguém lixa, eu digo sempre o que penso, com quem é que eles julgam que se estão a meter? Só lhes falta abrir a camisa mostrar os pêlos do peito. Os pais, alunos e professores que vão pentear macacos. Alguém os cá chamou, por acaso?