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terça-feira, 31 de maio de 2011

Ahahahahahahahahahahaha

É a terceira vez que isto me acontece. Duas foram quando vinha a sair da escola e por duas situações protagonizadas por colegas minhas e que, por razões óbvias, não vou aqui revelar e a outra foi agora, há uns minutos, por causa do post aí em baixo e que também postei no Delito de Opinião. Um comentador desvairado que me mandou guardar o lápis azul apenas porque não libertei o comentário dele com a pressa com que ele se achou merecedor, como se eu não fizesse mais nada e a minha vida fosse desbloquear comentários. Raios o partam. Sendo rapariga de coice rápido e resposta veloz quando me aborrecem com disparates, não foi nunca meu hábito primeiro sorrir e depois rir e ter vontade de gargalhar perante as inanidades alheias. De há um mês a esta parte é a terceira vez. Da primeira vez dei por mim a rir sozinha assim que saí os portões da escola. Não sei se os disparates são tantos que só rindo, se eu estou ainda mais cansada do que me acho, se os outros são assim mesmo, se caminho a passos, cruzes credo, logo passos, largos para a insanidade ou se o mundo está louco, completamente chanfrado e diverte-se a transformar incidentes em problemas, parvoíces que só merecem uma enorme gargalhada.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Conversa da treta

A direita acusa a esquerda, a esquerda acusa a direita, Passos Coelho acusa Sócrates, Sócrates acusa Passos Coelho, Paulo Portas acusa Passos Coelho de ter sido "muleta" do PS, diz que não é muleta de ninguém, o Assis diz que vai ser uma desgraça se o Sócrates sair, Sócrates também acha que vai ser uma desgraça se sair, uma parte do país concorda com Sócrates e com Assis outra está empenhada em pôr o Sócrates a banhos lá para onde foi o Catroga. Enquanto tudo isto, neste país pequeno de acusações e discussões estéreis e inúteis, este desfile inane da gente que nos (des)governa há quase quatro décadas, duas em cada cinco crianças vivem em situação de pobreza. E ‘isto’ devia ser o essencial. Quase quatro décadas depois, alguém, à esquerda ou à direita, já devia ter conseguido resolver este país. Deixem-se de tretas.



sábado, 28 de maio de 2011

E agora?

Uma filha que se despede do pai é um ser frágil, metamorfoseado num corpo franzino e quebradiço, uma vara soprada pelo vento impiedoso de não mais ser, uma menina perdida que largou a mão protectora, a mão que agarra, protege, acarinha. Ontem, enquanto assisti impotente a mais uma dessas despedidas, mais uma vez com os soluços encravados na garganta, vi do lado de lá a menina, a menina de totós a quem o pai fugiu de repente, a criança subitamente desorientada pela ausência, que farei agora sem ti, meu pai. E é isso que somos, eternas meninas cujos pais lhes soltaram a mão. Que farei sem ti agora?


Para a Ana.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O escuro pois

Vinha sonolenta, o corpo ainda lento em movimentos diluídos na arrumação de livros e cadernos na secretária, os olhos semi-cerrados e soltou um lamento assim que finalmente tudo se arrumou, Hoje dormi mal. Sonhei muito. Eu sonho sempre muito. Revi-me naquela afirmação e revisitei a adolescente sempre sonolenta para quem os Invernos longos eram um verdadeiro tormento, as noites uma travessia de territórios incertos sempre ameaçados por criaturas e acontecimentos inusitados e para quem as manhãs se estendiam num fastidioso e eterno momento de cansaço e tédio absoluto. E continuou com a pergunta pronta, Stora, os adultos também sonham? Sim, claro, respondi. A idade adulta não trouxe grandes alterações à adolescente dos sonhos perdidos, das noites inquietas, do cansaço matinal. A diferença entre um adolescente e um adulto opera-se na gestão que se faz das inquietações e dos demónios que nos vão surgindo no caminho. Mas aquela não seria afinal a única pergunta sobre o mundo insondável dos adultos e do qual, vou constatando em conversas múltiplas, os adolescentes têm medo, um medo incompreensível de não conseguir e de não ser capaz. Quem olhará por eles, afinal, nesse labirinto de ainda maiores incertezas. Algures quase no fim da aula, a outra pergunta E os adultos também têm medos, stora? Ao contrário do que fizera umas aulas antes, não exemplifiquei. Escondi-lhe que o meu pai me mandara uma vez pela escuridão do quintal para me fazer sentir aquilo em que ele sempre acreditou e que me afirmava enquanto eu progredia passo a passo na escuridão daquele enorme território para uma criança de tenra idade Vês, Nonô, o medo não existe. Escondi-lhe que o meu pai tão eficaz na desinibição daquele medo, não me ensinara, contudo, a lidar com a ausência, esta que me vai corroendo a espaços. Fiquei-me apenas pela confirmação. Sim, é claro que têm medos. Poupei-a aos meus medos, ao medo incontrolável de perder quem amo, o medo de ficar inane e tolinho de sorriso pendurado sem capacidade de decisão sobre o meu próprio destino e este mesmo corpo. Ela acrescentou Pois, Stora, há adultos que têm medo do escuro. Saímos uns minutos depois. Ao passar por mim, na porta da sala, deu-me um inesperado beijo na testa e afirmou o mais belo carinho pela professora forte e valente, a destemida cujos medos se não revelam. Chamemos-lhe escuro, então.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Declarações para a acta

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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Por uma mãe

Há coisas que só se fazem pelas mães. Uma delas foi ter ido a Pádua ver as relíquias do Santo António, línguas e outros pedaços que me deixaram à beira do vómito. Há necessidade? Há necessidade alguma que se arranquem pedaços aos mortos para os expor? Não, não há, mas devota do Santo António e uma vez em Itália pela primeira vez, Veneza mais propriamente, havia que fazer escolhas para um dia ausente de programa e guardado criteriosamente para aquele lugar mágico, aquele que nos deixa uma chama miudinha e uma excitação quase infantil. Nesse longínquo início dos anos 90, quando viajar ainda não era apenas ir já ali, a escolha era quase a de uma vida, sabe-se lá se cá voltamos, e entre Verona e a varanda da Julieta que, como se sabe, é apenas mito que nos preenche o imaginário cheio de Romeus, Hamlets e outros chatos que arrumei no armário logo após a faculdade, e Pádua, Pádua falou mais forte e aventurei-me com a minha mãe para lhe proporcionar esse prazer e esse gosto num dia gélido de Fevereiro. Saí de lá com um bênção nos queixos, paga a um frade que cumpria na perfeição o estereótipo nada ascético no que respeita a hábitos alimentares e uma experiência única em que quase me raptavam a mãe em plena missa para ir pôr a mão a um túmulo sagrado, percebi depois. A contenda foi vigorosa e enquanto eu agarrava a mão à minha mãe e lhe dizia Mas onde é que tu vais no meio da missa, do outro lado uma italiana insistia em levá-la. Filha que é filha não larga a sua mãe na mão de estranhos, num país estranho e num lugar onde há pedaços de pessoas em redomas de vidro. Um alívio quando saí mas um enorme prazer por ter a ajudado a minha mãe a cumprir um desejo.
A outra coisa que fiz pela minha mãe é recente, tem cerca de mês e mete mais uma vez gente perecida ou quase. Chegados a um dia de semana depressa percebemos que não, que apesar de nada constar nos guias de viagem, o túmulo não estava aberto. As opiniões divergiam: o guia do tour pela cidade dizia que estaria fechado durante aqueles dias, o do tour do Kremlin que estaria fechado às quintas-feiras. Enquanto isso, pensava com os meus botões que não tinha ido a Moscovo para ver mortos, pobre do Vladimir. Três dias depois continuava fechado e no último dia, o ultiminho em que reservámos a manhã para contemplar por uma última vez a Praça Vermelha, eis que observámos uma fila ainda tímida que se ia formando no extremo da Praça, do outro lado das portas que Stalin mandou destruir para melhor passarem tanques nas paradas comemorativas do poderio soviético. E pronto, uma filha não abandona a mãe nas mãos daqueles russos, brutos, ai brutos como nunca se viu, e foi aí que o vi. Iluminado no meio de uma sala estava o boneco de cera mais famoso da História, Vladimir Ilitch Lenin, Владимир Ильич Ленин, em cirílico. Ainda a salvei quando em pelo mausoléu se lembrou de ir à caixa dos óculos para observar o dito cujo e levantou suspeitas nos marciais guardiãos.
E o que é não se faz por uma mãe?

Para a minha mãe que comemorou ontem mais um sorridente aniversário.  

sexta-feira, 20 de maio de 2011

E depois a noite

Ontem, abrindo um parêntesis na minha atitude enquanto professora, falei brevemente de um episódio da minha vida privada. Sou relativamente contida neste capítulo, estimulando sempre que privado deve permanecer privado, também entre os alunos. Algures durante a aula, estavam revoltados contra uma dessas com quem partilho a profissão e que, por acaso, insiste em meter o nariz onde não deve e tratar os alunos como aquilo que não são. Desta feita, o problema era o fumo, que ela os repreendia quando ela achava que eles tinham estado a fumar. Argumentavam que os pais sabiam que eles fumavam e que ela não tinha nada a ver com isso. No meu papel de mediadora, também faz parte, argumentei que, de facto, o fumo era muito prejudicial à saúde, estava na origem de inúmeras doenças, nomeadamente cancro do pulmão e falei-lhes em duas frases do meu pai, também ele vítima de cinquenta anos de fumo intenso. No fim da conversa, uma das minhas alunas, espevitada e de resposta rápida ou não fosse geminiana, admitiu em jeito de desabafo Agora fiquei triste, razão mais que suficiente para me ter arrependido de o que havia dito
Durante a noite sonhei com o meu pai. A noite toda, pareceu-me, mesmo sabendo que não se sonha a noite toda.  As esperas à porta do hospital enquanto a minha mãe o visitava, o choro sozinha durante aqueles momentos, as caras desesperadas das pessoas à minha volta ou os sorrisos entusiasmados de ver pela primeira vez os leitõezinhos acabados de parir. O desespero de o ver partir sem que nada pudéssemos fazer e a dor. O choro convulsivo da dor que me estilhaçou e levou um bocado de mim, um naco de alma arrancado. A falta que me fazes, Papá.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Colegas são as putas

Ontem mesmo. Fim de tarde no campo. Calço uns ténis e faço-me à estrada com o intuito idiota de combater a gravidade e os despencanço célere das minhas carnes ameaçando ruína. Para minha grande sorte existe aqui perto um parque desportivo, lugar imenso entre matas, campos de futebol e ténis e pavilhões para a prática de desporto. Incompatibilizada que estou com a prática desportiva dentro de portas para a qual perdi irremediavelmente a paciência, prefiro caminhar, sem que ninguém me importune ou mande e fazer uso deste espaço fantástico. Pago os míseros cinquenta cêntimos de entrada e ponho pés ao caminho. Inspiro o aroma inebriante a mata húmida e expiro os demónios do stress quotidiano, o equilíbrio tão necessário. E lá ia eu na segunda volta, quando avisto uma aula, suponho ter sido uma aula, ou uma actividade de desporto escolar. A escola fica paredes-meias com o parque desportivo e usa as instalações ao abrigo de um acordo entre ambos. O professor encostado à barra de metal que delimita o campo, à conversa com outra pessoa, e os adolescentes entusiasmados a disputar uma bola. Contorno o pavilhão, aproximo-me do campo e ouço bem alto Caralho! Deito olhos ao professor e apuro o ouvido na esperança vã, oh que esperança tão vã, mas que vã esperança, de ouvir uma repreensão, uma chamada de atenção, uma admoestação. Nada. Impávido e sereno continuou a conversa que se adivinhava prazenteira. Umas voltas depois, lá continuava e os alunos, desta vez com um grupo de crianças no campo contíguo, ainda mais expressivos a soltar asneiredo pela boca fora. Posso até admitir que os alunos se excedam, é sabido que entre pares não primam pela mais asséptica das linguagens e o entusiasmo faz destas coisas. Se o Catroga se excedeu que dizer de adolescentes a braços com as hormonas mais saltitantes que pipocas na panela? Já não posso dizer o mesmo da criatura encostada ao campo, sempre tão empenhada nas lutas intestinas contra o Ministério da Educação e pronto a lamber umas quantas botas para cair nas boas graças de quem nos ordena, e que, ali num espaço público, se faz de surdo e se demite das suas funções. Colegas são as putas.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Da solidariedade e outros desmiolanços

Solidariedade, palavra usada e abusada nos dias que correm e que a espaços me provoca indizível repulsa pela hipocrisia subliminar, a ajuda que é mais uma afirmação da superioridade de quem dá sobre quem recebe do que o ombro desinteressado que se disponibiliza sem nada, absolutamente nada, coisíssima nenhuma em troca. E depois há aquele texto do António Lobo Antunes, uma crónica das antigas que se me agarrou desde que a li e que regressa em força, tal como as canções que descrevi uns posts abaixo, sempre que me vêm com balelas e afirmações serôdias de um cristianismo oculto no dia-a-dia mas presente nestes preciosos momentos: “Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida”. Em tempo de aperto, como o do presente, é sabido que fazer bem faz muito bem, e constitui não raras vezes a panaceia perfeita para a consciência pesada da abastança caduca do consumismo. Acontece que dentro de mim vive uma adolescente que rejeita liminarmente afirmações desmesuradas de hipocrisia e que odeia de alardear o bem, se algum, que faz, portanto quando viu movimentações lá na sua escola azul-cueca e uma pressão miudinha para que contribuísse para um desses movimentos solidários com um bolo ou algo que o valesse, meteu-se em copas, recusou-se a escrever o seu nome na lista que consta na sala de professores e continuou surfando aula a aula. Acontece também que essa mesma que aqui e agora escreve tem recaídas desses repentes furiosos e em casa, longe dos olhares comiserados de bem-fazer aos pobrezinhos e uma vez a sós com os seus botões, deu-lhe um rebate de consciência, afinal o que custa fazer um bolo se a causa é justa, as bafientas que vão dar uma volta. Assim sendo, deitou mãos à obra: ovos bem batidos com o açúcar, farinha e iogurte, uma colher pequena de canela e, como gosta de inventar, sumo e raspa da laranja que estava ali mesmo à mão. Dia seguinte faz-se à estrada de bolo na mão, enfrenta as curvas sinuosas cuidando daquela deliciosa rodela perfumada a canela e laranja e, uma vez chegada, vê entrar ao longe uma outra colega. Rumo ao bulício das manhãs repletas de surpresas da vida adolescente, abalançava-se escola adentro de cabelos ao vento, sorriso aberto e mãos a abanar, não que me diga respeito a solidariedade alheia, contudo, sei que jamais deixaria de passar uma oportunidade sem contribuir para a causa genuinamente.  E atenta no povo que passa. Nas mãos livros e mochilas. E revê mentalmente a lista na sala de professores. A data. Procura a data neste emaranhado de tarefas e obrigações a cumprir. Dia 12 ou 19? 12? 19?A dúvida que se instala e a certeza que a invade. E um bolo que foi passear-se numa bela manhã de Maio. Dia 19, portanto.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Aniversário

Entraste-me pela porta naquela manhã de Sábado ou Domingo. Vinhas sorridente e tranquilo. Corri ao teu encontro. Um abraço e uma beijo ternurento, que saudades agora do teu toque, meu pai, do sorriso com que declaravas o teu amor incondicional com as maçãs do rosto salientes e os olhos amendoados. Parabéns, Papá! Tu sorriste e disseste palavras que até hoje vão ecoando, Olha filha, há muita gente que não chegou até aqui. Parecias apaziguado naquele teu último aniversário, estranhamente tranquilo, algo que ainda hoje procuro perante esta ausência, este lugar escondido onde há lágrimas engolidas, soluços teimosos e olhos que se baixam nesta falta de ti. Parabéns, meu pai. A vida nunca mais foi a mesma.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Morte ao sol

Ontem ao fim da manhã, quando a minha mão regressava a casa, deparou-se com os vizinhos reunidos perto do caixote do lixo. Junto a eles, apurou assim que chegou, um saco plástico, então aberto, e lá dentro três gatinhos bebés, de cerca de três semanas. Trouxe-os para casa e, felizmente, já consegui arranjar-lhes donos. Só gostava de saber quem foi a besta que teve a coragem não só de os abandonar mas de os fechar num saco plástico e abandoná-los ao sol ao pé dum caixote do lixo. Só lhes posso desejar o mesmo: que fiquem fechados num saco plástico ao sol para ver se é bom.


quinta-feira, 5 de maio de 2011

Bandas sonoras

Já algum dia vos aconteceu ter uma canção na cabeça, uma melodia, palavras e letras que vos acompanhassem dias, mas dias, ó meu deus, dias a fio? É que há canções que surgem em momentos, como uma resposta a um estímulo, eternamente acopladas a um acontecimento ou a um lugar. Se ouvir Rio, na minha cabeça soa logo 'Wave' ou 'Águas de Março' ou 'Deixa a vida me levar' do Zeca Pagodinho, se for Salvador, 'Tarde em Itapoã' ou 'Reconvexo' da Bethânia. Acontecem-me também palavras soltas ou expressões que puxam outras ou até linhas de textos e filmes que fazem a aparições fugazes. Nos últimos tempos sou também acometida de algo que me atormenta: quando vou entrar para a sala de aula, às segundas e quartas-feiras, os meus alunos amontoam-se sentados no chão. Vou ziguezagueando, pedindo licença euanto se vão levantando e eu progredindo no terreno. E tudo estaria bem se não me viesse sempre, mas sempre à memória um dos episódios d’ 'A Mais Louca História do Mundo' em que o Rei espezinha literalmente o povo para se fazer passar e exclama It’s good to be the King! Vergonhoso, eu sei, mas verdade. Ou quando vejo alguém seguir fiel alguém, razão posta de lado, aparece-me 'A Vida de Brian', You don’t need to follow me! You don´t need to follow anyone! I’m not the Messiah! Mas uma vez recomposta da viagem veloz aos momentos e lugares da minha vida, volta tudo ao normal e continuo a rapariga de sempre. Desta vez não foi assim. Desta vez foram dias. Começou ainda cá e uma vez no destino assombrou-me durante uns três dias, uma metade bem medida dos meus dias em Moscovo. Ponho pé na Praça Vermelha e ecoa I hope the Russians love their children too. Dois passos à frente, a melodia irrompe rapioqueira e em todo o seu esplendor, quase tão bélica e imponente como as paradas soviéticas que me coloriam na imaginação as imagens a preto e branco dos longos anos da Guerra Fria. E vieram Os Openheimer deadly toys, Mr. Krushev said I will bury you, What might save us, me and you is that the Russians love their children too e tudo, tudinho como se o disco estivesse em play e repeat. E foram dias assim. De trás para a frente. It´s probably me.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O fado

Ainda de ressaca por ter aturado as peruas da manhã na distintíssima escola azul-cueca , sim, hoje apetece-me hífen, preocupadas em transformar um incidente merdoso num assunto de estado, chego a casa apressada, movida pela necessidade imperiosa de pôr a máquina de roupa a lavar e ainda na esperança de a secar, à roupa, um roteiro verdadeiramente inspirador para quem como eu odeia trabalhos domésticos. Ligo a televisão, ao mesmo tempo que ponho o computador a postos e mergulho uma hora bem medida no Facebook. Que não, que não foi o Sócrates, que foi o Catroga, que não estão a contar tudo, que vai ser pior, que há-de ser muito mas muito pior. Que isto e que aquilo, ataques à esquerda, à direita, ao centro, ao centro-direita, ao centro-esquerda, se é que existe. O mesmo diapasão nos lados. A mesma desgraceira apocalíptica, o mesmo fim-de-mundo anunciado e temido que, começo a acreditar, alguns até desejam para que possamos carpir em uníssono o infortúnio em uivos histéricos. Desligo o Facebook, desligo a televisão e abeiro-me dos CDs. Escolho um dos meus preferidos, dos Queen, Innuendo e deixo-me embalar. I’m going slightly mad, canta-se. Who isn´t? pergunta-se deste lado. Ai fado, meu rico fado.