A princípio, ainda pensámos que seria do calor. Estavam uns dias escaldantes. Recomendei ao meu pai incessantemente “Papá, tens de beber água, olha que podes desidratar”. Depois veio a notícia dos níveis de ozono, muito altos para esta área. O facto é que ele não saia de casa. Dias e dias, o gato permanecia em casa, às vezes, no corredor, perto do meu pai, outras vezes na sala da frente. Não me lembro sequer de o ter ouvido miar durante aqueles quinze dias.
Este gato habita a casa e faz parte da família há dez anos e meio. Foi para casa dos meus pais mínimo, tão mínimo que a minha mãe o trouxe no porta-luvas do carro que tinha então. Escolheu-o ela própria de uma ninhada de três ou quatro que nasceram no quintal da D.. O gato, com o passar do tempo, transformou-se num felpudão, lindo e grande, absolutamente imponente. Como nessa época se assistia nas televisões ao enlace matrimonial do D. Duarte de Bragança e uma vez que se mostrava difícil encontrar um nome para o bichano, baptizei-o eu mesma com o real nome, Duarte. Com o Duarte dormi umas sornas inesquecíveis e com o Duarte aprendi o significado da palavra inveja. É um gato real e com uma vontade de ferro. Impõe-se regra geral no meio da mesa à noite e dorme umas sonecas beatíficas, ora de patas nos olhinhos, ora oferecendo a barriga para lhe fazermos umas festa. Nas manhãs de Inverno o gato estendia-se e espreguiçava-se na minha cama para se enrolar de novo, lançando-me uma olhadela, enquanto eu pegava em mim e ainda com os olhos inchados do sono invernoso me arrastava para a escola. Daria o meu reino então para me enrolar com ele e nos espreguiçarmos ambos na quietude matinal.
Certo dia o gato desapareceu. Não se lhe sabia o paradeiro. Por mais que o chamássemos, nada. Ao terceiro dia e quando o meu pai, depois de terem posto o carro na garagem, se encaminhava para casa, encontrou o bichano aos seus pés. Tinha sido atropelado e veio pedir auxílio. O meu querido pai jamais esqueceu tal cena e frequentemente largava um sentido coitadinho, como ele estava ali ao fundo das escadas… relembrando o momento em que todos respirámos de alívio por o Duarte finalmente aparecer após dias de angústia. Acredito que o meu pai sentia que o gato o tinha escolhido para pedir auxílio, embora o meu mano gato nutra com a minha mãe uma relação de absoluta dependência e de um afecto inominável. Foi tratado como um verdadeiro rei, o Duarte, mas ficou coxo em consequência do acidente. Quando a minha mãe inquiriu ao veterinário “ele vai ficar manco, sr. Dr?”, tivemos que correr em seu auxílio e traduzir “Se ele vai ficar coxo…”.
Comecei a ficar ainda mais apreensiva nos últimos quinze dias de agravamento do estado de saúde do meu querido pai. Não sabíamos da gravidade da sua doença, embora sentíssemos que era grave, muito grave. Julgo que de todos nós, apenas um tinha a certeza da iminente partida do meu pai: o Duarte. Acompanhou-o sempre. Não saiu à rua e pairou pela casa sem se fazer notar durante esse tempo. O gato terá sido o único que verdadeiramente se despediu do meu pai. Na véspera e no dia da sua partida, o Duarte retomou a sua rotina. Quando mais não podemos fazer, só nos resta continuar vivendo.
Este gato habita a casa e faz parte da família há dez anos e meio. Foi para casa dos meus pais mínimo, tão mínimo que a minha mãe o trouxe no porta-luvas do carro que tinha então. Escolheu-o ela própria de uma ninhada de três ou quatro que nasceram no quintal da D.. O gato, com o passar do tempo, transformou-se num felpudão, lindo e grande, absolutamente imponente. Como nessa época se assistia nas televisões ao enlace matrimonial do D. Duarte de Bragança e uma vez que se mostrava difícil encontrar um nome para o bichano, baptizei-o eu mesma com o real nome, Duarte. Com o Duarte dormi umas sornas inesquecíveis e com o Duarte aprendi o significado da palavra inveja. É um gato real e com uma vontade de ferro. Impõe-se regra geral no meio da mesa à noite e dorme umas sonecas beatíficas, ora de patas nos olhinhos, ora oferecendo a barriga para lhe fazermos umas festa. Nas manhãs de Inverno o gato estendia-se e espreguiçava-se na minha cama para se enrolar de novo, lançando-me uma olhadela, enquanto eu pegava em mim e ainda com os olhos inchados do sono invernoso me arrastava para a escola. Daria o meu reino então para me enrolar com ele e nos espreguiçarmos ambos na quietude matinal.
Certo dia o gato desapareceu. Não se lhe sabia o paradeiro. Por mais que o chamássemos, nada. Ao terceiro dia e quando o meu pai, depois de terem posto o carro na garagem, se encaminhava para casa, encontrou o bichano aos seus pés. Tinha sido atropelado e veio pedir auxílio. O meu querido pai jamais esqueceu tal cena e frequentemente largava um sentido coitadinho, como ele estava ali ao fundo das escadas… relembrando o momento em que todos respirámos de alívio por o Duarte finalmente aparecer após dias de angústia. Acredito que o meu pai sentia que o gato o tinha escolhido para pedir auxílio, embora o meu mano gato nutra com a minha mãe uma relação de absoluta dependência e de um afecto inominável. Foi tratado como um verdadeiro rei, o Duarte, mas ficou coxo em consequência do acidente. Quando a minha mãe inquiriu ao veterinário “ele vai ficar manco, sr. Dr?”, tivemos que correr em seu auxílio e traduzir “Se ele vai ficar coxo…”.
Comecei a ficar ainda mais apreensiva nos últimos quinze dias de agravamento do estado de saúde do meu querido pai. Não sabíamos da gravidade da sua doença, embora sentíssemos que era grave, muito grave. Julgo que de todos nós, apenas um tinha a certeza da iminente partida do meu pai: o Duarte. Acompanhou-o sempre. Não saiu à rua e pairou pela casa sem se fazer notar durante esse tempo. O gato terá sido o único que verdadeiramente se despediu do meu pai. Na véspera e no dia da sua partida, o Duarte retomou a sua rotina. Quando mais não podemos fazer, só nos resta continuar vivendo.